Como são difíceis os dias, após a partida daqueles que nos são queridos.
Parado no tempo, era assim que tudo estava; os mesmos quadros, as mesmas fotos, as divisões, envelhecidas, mas iguais... toda a casa era uma gigantesca máquina do tempo que me levou anos e anos atrás, ao período em que também eu fiz parte daquele ambiente.
Entrei para arrumar o quarto que ele habitara até partir.
Os objetos do dia a dia continuavam em cima da mesa de cabeceira, aguardando o regresso do seu proprietário. A caixa dos medicamentos, meio preenchida, sugeria uma continuidade que não aconteceria.
As paredes ainda mostravam as marcas de ter sido a biblioteca de que o meu pai tanto se orgulhava. Fora movida, anos depois do desaparecimento dele, para se transformar num quarto para quem já não conseguia subir escadas.
Ao retirar os casacos pendurados atrás da porta, um objeto caiu com estrondo no chão de cerâmica. Fiquei uns segundos para a olhar para a bengala castanha de verniz reluzente e cabo decorado.
Apanhei-a e olhei-a de perto, como se fosse a primeira vez que a via... mas não era.
"Quem és tu?" Perguntei-me. "És quem suportou o meu pai, quando as forças lhe começaram a faltar e os dias eram curtos por entre o oblívio dos longos sonos... que acabaram por o levar."
"Talvez sejas aquela que acompanhou a minha mãe, quando as quedas lhe minaram a confiança e lhe deste um pouco de equilíbrio até as pernas a não susterem mais."
"Não, já sei, eras a companheira do meu irmão, que se arrastou até ao último momento, a vontade férrea a contrariar a maleita cruel que o devorava."
Não pude evitar um sorriso enquanto a pendurava no seu lugar, suspensa no tempo, entre ecos e pegadas, à espera do próximo companheiro.
Voltei a pegar-lhe, pensativamente e dei por mim a experimentá-la na minha mão.
















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