sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

O Conselho de Barinak

Este texto é uma obra de ficção. Embora possa incluir referências a eventos históricos e figuras reais, a história, os diálogos e as interpretações são fruto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, é mera coincidência.

 

 
Na Madrugada dos Tempos – Parte 17
 
 

Os meus conselhos devem servir para que você se lhes oponha. É possível que depois da oposição

venha a pensar o mesmo que eu; mas nessa altura já o pensamento lhe pertence.

Agostinho Silva

Filósofo, poeta, ensaísta, professor e filólogo português

(1906-1994)

Depois do choque inicial e da alegria dos hati, que se encontravam a acompanhar o ferido Tibaro, pela chegada dos seus conterrâneos, foi a altura de tratar dos assuntos mais práticos. Zia e as suas noras, Damla e Nadire, organizaram junto do povo a libertação temporária de algumas casas, para hospedar os estrangeiros. Os visitantes, no entanto, não mostraram grande simpatia pela ideia de serem separados. Os burros que acompanhavam a comitiva traziam o material para erguer as tendas com capacidade para os alojar a todos e aceitariam apenas que lhes indicassem o local para as montar.

Apesar da alegria de ver o seu filho vivo e a recuperar, o aspeto de Barinak, de que tanto ouvira falar, deixara-o tremendamente desiludido. Não passava de inúmeros casebres, onde as pessoas viviam como se fossem selvagens, sem roupas adequadas… e sem se lavar, conforme o seu nariz que não cessava de o informar. O próprio déms pótis vivia numa palhota daquelas, em vez de ter uma verdadeira casa com várias divisões, onde residir com toda a família. Como eram pobres e desengraçadas aquelas casas redondas comparadas com as belas e alvas casas de Hatiweik.

Erem levou Mirsulo e Savírio a ver o santuário, do qual os dois estrangeiros ouviram falar lá na sua terra, mas eles não pareceram muito impressionados. O curandeiro caminhou por entre as pedras, afagando com mais atenção aquelas que haviam sido diligentemente esculpidas por Asil. O chefe estrangeiro olhou pensativamente para o círculo inacabado e decidiu, contra a vontade do companheiro, que deveriam orar a Tarunte naquele local, como agradecimento pela salvação de Tibaro.

Mais tarde, os estrangeiros reuniram-se aos seus homens para serem iniciadas as montagens dos alojamentos onde passariam a noite.

Erem e Zia observaram o afã dos estrangeiros a erguer as tendas onde pernoitariam e logo ali comentaram a fantástica tenda central, maior que quatro das casas de Barinak juntas. Parecia impossível como podiam ter tanto tecido para tantas tendas, tão grandes e como montavam as estruturas tão rápido, prendendo-as ao chão com estacas e cordas. As roupagens deles, as armas, por ali se via possuírem conhecimentos muito superiores. Podiam ser um amigo poderoso, ou um inimigo muito perigoso.

Mirsulo e Savírio recolheram-se à tenda principal e mandaram chamar os homens que haviam ficado na aldeia com Tibaro. Era óbvio que queriam saber de tudo sem serem ouvidos e sem interferências. Erem, por sua vez, foi para a casa da reunião e mandou chamar Alim, Tailan e Lemi. Este último chegou apoiado num pau e com aspeto bastante débil; já estava febril há vários dias e as mezinhas de Nehir não pareciam nutrir qualquer efeito.

Erem queria saber o que achavam os seus amigos/conselheiros, dos visitantes e como deveriam agir para com eles. Todos concordavam que deveriam agir com cautela. Alim já conhecia Hatiweik, o seu povo e o déms pótis anterior, Taramor, que deveria ser o pai de Mirsulo; não achava que fossem perigosos, a menos que houvesse algo que eles quisessem muito e fosse-lhes recusado. Eram uma povoação com muita gente e aqueles homens que faziam parte da comitiva era uma pequena amostra de quantos podiam ser reunidos para a guerra. Negociara várias vezes com pessoas de lá e, embora tivesse de deixar algumas das coisas que trocara, como pagamento por comerciar, nunca teve problemas com eles.

— Não entendo. — O chefe franziu o sobrolho. — Deixar coisas? Então ias trocar coisas com o povo e tinhas de deixá-las?

— Não todas. — Esclareceu Alim. — Como era de fora de Hatiweik, tinha de pagar o que eles chamam taxa de comércio. Deixava uma cabra, às vezes três galinhas.

— A quem? — Erem insistiu.

— Ao déms pótis. — O antigo comerciante sorriu.

— O chefe? — Também Lemi estava confuso. — Ele andava pelas casas a pedir as coisas aos comerciantes?

— Não! — Alim soltou uma gargalhada. — Toda a povoação é cercada por muros altos e só se consegue entrar por dois ou três passagens onde estão homens do déms pótis a guardá-las. Se estás a sair da povoação com coisas que estás a comerciar, ou não és de lá e estiveste a fazer negócio, ou és de lá e vais negociar para outro lado. De ambas as formas tens de pagar a taxa ao déms pótis. Os homens e mulheres que vivem lá dentro também têm de pagar pelas coisas que fazem e trocam, também aqueles que trabalham os campos fora dos muros, ou os pastores e caçadores.

— Assim ele tem tudo sem fazer nada… — Concluiu Tailan. — Já vi essa povoação há muito tempo, mas nunca estive lá dentro.

— A verdade, — acrescentou Alim —, é que ele assegura a defesa da povoação com homens armados e esses homens recebem bens pelo seu trabalho. Claro que ele tem de tudo para si e para a sua família sem precisar de ir pescar, caçar ou trabalhar a terra. Mas todos pagam com a satisfação sabendo que não vão ser atacados por ninguém porque terão quem os defenda. Se alguém roubar alguma coisa a outro é castigado com chicotadas ou podem até cortar-lhe uma mão, os homens do déms pótis encarregar-se-ão disso.

Os outros três exibiram expressões de espanto e horror.

— Nós também cuidamos uns dos outros e se alguém achar que outro lhe tirou algo que lhe pertence vêm até mim e aceitam a minha decisão. — Observou Erem. — Se nos atacarem, vamos defender-nos. Todos caçamos, trabalhamos as terras e temos porções de comida iguais, eu encarrego-me de que assim seja… ninguém tem de me dar nada por isso.

— Se tivesses muita gente para todo o trabalho, não terias de o fazer. — Explicou Alim com simplicidade. — Só precisarias de dar as ordens.

O chefe calou-se por momentos, meditando nas explicações do conselheiro.

— Então achas que Mirsulo tem muitos homens e mulheres prontos a servi-lo, dentro da sua povoação? — Lemi mostrou-se preocupado. — E, portanto, uma grande força para lutar?

— Não tenho dúvidas. — Retorquiu o visado como o acenar de confirmação de Tailan. — Se, apenas para ir buscar o corpo do filho, traz consigo tantos homens como conseguiríamos juntar para uma luta, terá muitos mais, para defender a sua povoação e para manter a alimentação de todos.

— Devemos temê-lo, portanto. — Concluiu Erem com os olhos fixos no vazio.

— No mínimo, respeitá-lo e agradá-lo. — Alim acenou afirmativamente com a cabeça.

— … sem mostrar medo ou fraqueza. — Acrescentou Lemi, por entre o seu respirar difícil. — Devemos ser hospitaleiros, mas apresentarmo-nos como iguais.

— Agora que já tem o filho dele, e vivo, ao contrário do que esperava, que acham que fará agora? — O chefe enfrentou os seus conselheiros.

— Como o acho um chefe bom e justo, — começou Alim —, acho que quererá regressar à sua terra rapidamente para mostrar a todos que o seu herdeiro está vivo.

— Também pode voltar mais tarde com ainda mais homens e levar todos os alimentos que temos. — O tio do chefe continuava a temer a força do hóspede. — Viram que estamos preparados para nos defendermos, mas que somos poucos, comparados com eles.

— Não me parece que seja esse o modo de agir deste povo. — Interveio Tailan. — Como nós, estão fixos numa localização. Não são como os nómadas que podem destruir tudo numa região e depois simplesmente mudar-se. Eles devem preferir manter a amizade com os vizinhos, aumentando as possibilidades de comércio e mais vantagens para ele e sua família.

— Também concordo. — Afirmou Alim.

Lemi sentia-se um pouco perdido nesta nova teia de relações. Antigamente, as tribos seminómadas festejavam quando se encontravam e apenas se deviam temer nos períodos de fome.

— Então, — concluiu Erem —, devemos temê-los, mas mostrarmo-nos iguais. Respeita-los, mas não demonstrar fraqueza. — O chefe sorriu. — O meu filho Naci concordaria com essa última parte. O resto, duvido muito.

Tailan e Lemi acenaram afirmativamente.

— Naci tem-se dado muito bem com os estrangeiros. — Ressentiu-se Alim com uma expressão triste. — Mais com esses estrangeiros, do que com todos nós que vivemos aqui e partilhamos estas terras com ele. Pode ser que a sua atitude em relação a nós mude daqui para a frente.

— Pois chamemos então os nossos hóspedes. — O chefe ergueu-se decidido. — Partilharemos aqui a última refeição do dia com eles. Chamem as vossas mulheres e filhos. Vou escolher os nossos melhores para dançarem em volta da fogueira… dançarão a vitória sobre os homens-macaco e como caçamos e matamos os nómadas que nos roubavam. Perceberão que desafiar-nos tem consequências.

Os outros homens levantaram-se de seguida imitando o chefe. Tailan, com uma expressão divertida, curvou respeitosamente a cabeça e respondeu:

— Será como dizes déms pótis.


 

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A seguir

16 - A Embaixada

18 - Confraternização


Introdução



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sábado, 2 de dezembro de 2023

Agora é que me Livro

Foi em junho de 2022 que tive o prazer de viajar até à bela cidade de Oliveira do Hospital para assistir à apresentação do livro “Viagens”, da minha amiga Lucinda Maria e que eu, através das Produções Debaixo dos Céus, tive a honra de publicar. Foi uma belíssima e bem frequentada cerimónia que certamente encheu de orgulho a autora e a sua patrocinadora, a Câmara Municipal de Oliveira do Hospital. Mas não foi, porém, para falar desse evento que iniciei esta publicação, como poderão depreender da imagem com que a ilustro, mas sim para falar da Mafalda Correia, produtora da rubrica “Agora é que me livro”, transmitida na Rádio Boa Nova.
iPhone - Foto 2022-06-05 22_50_00 (2)

 

A Mafalda fora-me apresentada virtualmente uns meses antes, por outro amigo, para que pudesse fazer parte de um grupo de Facebook que organizo e que se intitula “Um Conto Por Mês”. Neste grupo, desafio os membros a escreverem e publicarem um conto completamente novo todos os meses. O Vítor Paulo Fernandes, o qual é um dos colaboradores, propôs-me a entrada de “uma amiga que escrevia muito bem” e que aceitei de bom grado. Numa época de tão pouco interesse pela literatura, aqueles que leem devem ser estimados e os que leem e escrevem, valorizados.
Mafalda Correia

 

De todas as formas, a Mafalda foi uma enorme mais-valia para o nosso grupo, além de uma visão mais jovem, abordou temas interessantes e que foi ótimo ver como eram vistos por aqueles da sua idade. No conto “O Muro”, narra uma história de um amor separado pelo infame Muro de Berlim, onde são enaltecidas as virtudes de saber esperar e a convicção de que não há mal que sempre dure…. Em “A Menina que Deixou de Sorrir”, assistimos a uma abordagem ao estilo de Saramago e do seu imortal “Ensaio sobre a Cegueira”, onde os sentimentos, mesmo os que nos parecem mais exagerados, são imprescindíveis para a nossa vida e felicidade. Também tivemos “Perfeição: A Sociedade Imperfeita” onde de uma maneira muito simples nos mostrou como os mais belos sentimentos e intenções podem sucumbir ao peso dos valores materiais. E não posso deixar passar “A Vida é o Que Acontece Quando Estamos a Fazer Planos”, uma frase extraída da sensacional poesia do saudoso John Lennon. Numa visão talvez mais madura do que seria de esperar da sua idade, mostra-nos como não nos devemos deixar abater quando somos derrubados, mas sim erguer, redefinir objetivos e prosseguir.
Mafalda Correia-Publicações

 

Por tudo isto, a jovem Mafalda já me havia chamado a atenção e tive pena de, quando me foi apresentada, não estar preparado para falar melhor com ela e saborear um pouco da personagem extraordinária que parece estar em projeto naquela adolescente educada, simpática e graciosa. Mas não foi aquela a última vez que ouvi falar da Mafalda; há poucos meses, li o anúncio da rubrica radiofónica “Agora é que me Livro” onde é ela própria a responsável. Confesso que não ouvi todas as emissões, mas aquelas que o fiz, deu para perceber que, além de uma voz excelentemente radiofónica, a sua escolha para o conteúdo deles é interessante e bastante profissional. Decidi aí que teria de escrever algo sobre esta prometedora jovem.
Para fazer esta publicação, além da inevitável visita à página de Facebook, que, quer queiramos, quer não já é a nossa forma de apresentação ao mundo, fiz uma busca pela internet que me revelou ainda mais e serviu para aumentar o meu respeito pela Mafalda.
Mafalda Correia-Notícias

 

Além de aluna de mérito no próprio agrupamento escolar, o reconhecimento desta menina, filha do verão, espalha-se já além das fronteiras do concelho; Representou a região de Coimbra num concurso de leitura e recentemente, em conjunto com Daniela Guímaro, obteve a vitória nacional no Euroscola. Este programa anual, criado no âmbito da cidadania, premiou o trabalho desenvolvido por estas duas jovens, intitulado “Corrupção, o mais velho vírus devorador das democracias”.

Mafalda Correia-Corrupção, o mais velho vírus devorador das democracias.jpg

 

Resta-me acrescentar que estão de parabéns os seus pais, além desta extraordinária jovem, por saberem dar-lhe a educação e mostrar-lhe os caminhos possíveis, pois pouco mais se pode fazer. A escolha deve ser dos filhos. Rezamos para que os tenhamos dotado de ferramentas capazes para enfrentar as armadilhas da vida e que o seu intelecto os torne melhores do que nós fomos.
A grande verdade é que todo o lavrador pode semear do melhor que existir, a boa colheita, porém, não se obtém apenas com boas sementes, mas também com terra boa e fértil.

Achei curioso que a frase de apresentação que a Mafalda escolheu para o seu perfil no “livro dos rostos” (Facebook), seja uma das extraordinárias frases que o grande Fernando Pessoa deixou: “Não sou nada, nunca serei nada. À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”. Minha querida amiga; eu diria que cada um de nós é um mundo, (mesmo correndo o risco de sacrilégio ao contradizer o nosso Álvaro de Campos) e por vezes, o mundo que nós somos, é maior que o próprio universo. Nós, aqueles que escrevem e amam a palavra escrita, vivem para contar aos outros esse universo.
Espero que gostes desta pequena homenagem e, sem paternalismos baratos, a idade permite-me deixar alguns conselhos, à laia de benção para ti, amiga e irmã das letras;
Voa alto, muito acima das cabeças da humanidade, porque tens tudo o que é preciso para isso. Que os bons ventos da Fortuna te embalem em Felicidade e Realização. Não te deixes, porém, iludir pelos caminhos fáceis, nem pelos créditos sem trabalho. O que vale a pena, é sempre difícil de conseguir, de outra forma todos o teriam. Não gastes o teu tempo, no entanto, a bater contra uma porta fechada, a menos que tenhas certeza que o que está do outro lado vale realmente a pena. Por último, ama e não esqueças aqueles que te amam e estão à tua volta a desejar e a ajudar o teu sucesso, eles serão os únicos que estarão a teu lado quando os caprichos da Fortuna te falharem.

 

Mafalda Correia-Parlamento

 

Muito sucesso!
mafalda correia - Mote

 


Outras ligações 

1-4-2022 Daniela e Mafalda ganham “distrital” do Euroescolas
https://www.diariocoimbra.pt/noticia/81141

1-4-2022 Escola Secundária de Oliveira do Hospital vence Sessão Distrital do Concurso EUROSCOLA de Coimbra
https://ipdj.gov.pt/-/agrupamento-de-escolas-de-oliveira-do-hospital-vence-sessao-distrital-do-concurso-euroscola-de-coimbra

10-10-2022 distinção do Município oliveirense as alunas Mafalda Correia (10º ano),
https://www.folhadocentro.pt/jose-francisco-rolo-assinala-surto-de-investimento-no-concelho-apesar-do-contexto-economico-adverso/

24-4-2023 Oliveirense Mafalda Correia vai representar a região de Coimbra na final do Concurso Nacional de Leitura
https://correiodabeiraserra.sapo.pt/oliveirense-mafalda-correia-vai-representar-a-regiao-de-coimbra-na-final-do-concurso-nacional-de-leitura/

30-5-2023 ‘Euroscola’: Mafalda Correia e Daniela Guímaro levaram Oliveira do Hospital à vitória distrital
https://radioboanova.sapo.pt/euroscola-mafalda-daniela-vitoria-distrital/

30-5-2023 MAFALDA CORREIA E DANIELA GUÍMARO VENCEM FASE FINAL DO EUROESCOLA
https://lagosb.blogspot.com/2023/05/mafalda-correia-e-daniela-guimaro.html

9-6-2023 «Corrupção, o mais velho vírus devorador das democracias»
https://www.forum.pt/opiniao/corrupcao-o-mais-velho-virus-devorador-das-democracias

7-10-2023 Oliveira do Hospital “valoriza força realizadora das gentes do concelho e o seu empreendedorismo”
https://www.diariocoimbra.pt/noticia/110949

9-10-2023 Mafalda Correia, uma das vozes da Rádio Boa Nova, conquista prémio de Mérito Escolar no Dia do Município
https://radioboanova.sapo.pt/mafalda-correia-uma-das-vozes-da-radio-boa-nova-conquista-premio-de-merito-escolar-no-dia-do-municipio/

11-11-2023 Alunos do Agrupamento de Escolas de Oliveira do Hospital estiveram no Parlamento Europeu em Estrasburgo
https://correiodabeiraserra.sapo.pt/alunos-do-agrupamento-de-escolas-de-oliveira-do-hospital-estiveram-em-estrasburgo/

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