quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

Será que ainda ouves?




Às vezes pergunto-me se ainda me ouves... se ainda nos ouves... lá no lugar distante para onde partiste.

Será que nos vês? Será que sentes o que sentimos? A dor que se ferrou em meu peito e que eu calco e sufoco, para os recônditos mais fundos da minha alma. 

Que é feito dos nossos murmúrios, das nossas preces? Será que os ouves? Quando rezo ao Criador ou peço à Sua Santa Mãe que interceda por nós... consegues escutar as minhas palavras? Logo as minhas, que fui o  teu filho mais ausente.

Penso que ainda ouço a tua voz, por vezes. O teu conversar calmo e sereno, a tua paixão, quando falavas das coisas que gostavas.

Às vezes, tenho de olhar para as fotografias para recordar o teu rosto e vejo que não estava esquecido. Estava lá, onde sempre esteve, entre as coisas bonitas e boas da minha vida, no sótão desarrumado e poeirento das minhas memórias. Entre as coisas que guardo com carinho. 

A imagem que vejo, porém, não é daquele involucro quebrado e triste, mas do homem que sempre foste, lutador e vencedor, ainda que a duras penas. Foste sempre o meu herói. Mesmo naquela idade estupida em que achamos que sabemos tudo, lembras-te que muitas vezes procurei o teu conselho... ainda que não vezes suficientes.

Mesmo quando eu estava longe, sabia onde estavas e isso era um conforto para mim, no meu egoísmo. 

É verdade que não falamos as vezes que merecias, nem as que eu gostaria, muito menos as que deveria. Mas os nossos olhos falavam muito e a minha ligação contigo sempre foi muito de poucas palavras, porque o amor não se fala nem se escreve, sente-se. E eu sinto.

Sinto a tua falta, tenho saudades de ti e da tua voz, mas não o quero dizer.

Também no dia em que te foste eu estava ausente. Tive uma noite agitada e confusa, onde tu e a tua situação não saiam dos meus sonhos, até à hora em que, naquela manha de verão, me telefonaram a dar as piores notícias. Sei, por isso, que tive lugar nos teus últimos pensamentos, que não duvido foram de amor para a tua mulher e teus filhos.

Gostava porém de te ter ouvido uma última vez, a mentir-me, a dizer que ia ficar tudo bem. 

Share:

1 comments:

Fernando Morgado disse...

Richard Back, o célebre autor de "Fernão Capelo Gaivota", disse, num outro livro seu, o "Não há longe nem distância", que quando queres estar com um amigo, basta pensares nele e já estás com ele. Disse mais; "que importa o que nos separa se temos um céu que nos une".
Lembro isto a propósito do que hoje nos incomoda porque devíamos ter feito e não o fizemos. Não fizemos no tempo próprio e agora já é tarde. Então, e hoje? Estamos a fazer tudo o que devemos fazer agora, hoje? É claríssima a resposta. E falo no plural porque esta "falha" é comum a muitos e muitos de nós.
Procura em ti, corpo e mente, os sinais eternos que o teu pai te deixou; um sinal, um jeito de andar ou de falar ou de sorrir, uma interpretação da vida e uma forma de pensar herdada dele. Tens o teu pai em ti, mesmo que fisicamente ele já cá não esteja.
Acontece a todos, ou a quase todos; em relação aos nossos pais, os defeitos que lhes achávamos são hoje as nossas virtudes, dando corpo à ideia peregrina de a vida ser uma roda.
Sobra uma palavra para o teu desabafo: magnifico!


Fernando Morgado

Receba as últimas novidades

Receba as novas publicações por correio eletrónico:

Número total de visualizações de páginas

Mensagens populares

Publicações aleatórias

Colaborações


Etiquetas

Contos (100) Marketing (57) Samizdat (56) Lançamentos (35) Contos Extensos (32) Contemporaneo (31) Eventos (30) Antologias (24) Autobiográfico (23) Poesia (23) religião (23) TDXisto (22) pobreza (22) roubo (22) Na Madrugada dos Tempos (21) Noticias (21) pre-historia (21) primitivo (21) sobrenatural (19) criminalidade (18) Crónicas (16) Sui Generis (16) homicidio (14) DAMarão (13) biblico (13) A Maldição dos Montenegro (12) Indigente (12) Recordações (12) sem-abrigo (12) separação (12) Pentautores (9) Suporte a criação (9) Século XIX (9) Uma Casa nas Ruas (9) genesis (9) publicações (9) Distinção (8) perda (8) solidão (8) Entrevistas (7) livros (7) terceira idade (7) Na Pele do Lobo (6) Rute (6) Terras de Xisto (6) Trás-os-montes (6) intolerancia (6) lobisomens (6) mosteiro (6) Apresentações (5) Papel D'Arroz (5) Revista (5) guerra (5) medo (5) morte (5) opressão (5) traição (5) Corrécio (4) Divulga Escritor (4) geriatria (4) sofrimento (4) vicio (4) LNRio (3) Portugal (3) Violência doméstica (3) dor (3) Carrazeda de Ansiães (2) Entre o Preto e o Branco (2) Ficção (2) Humor (2) Projetos (2) ambição (2) apocaliptico (2) cemiterio (2) culpa (2) futurista (2) isolamento (2) jogo (2) lendas (2) sonhos (2) Abuso sexual (1) Covid-19 (1) Extraterrestres (1) Minho Digital (1) Pandemia (1) Perversão (1) Viagens do tempo (1) abel e caim (1) bondade (1) desertificação (1) dificuldades (1) emigração (1) escultura (1) hospital (1) materialismo (1) mouras (1) natal (1) sorte (1) suspense (1) transfiguração (1)

Imprimir

Print Friendly and PDF