Debaixodosceus.pt e Amazon.com: Uma parceria de sucesso
2017 Publicação "Daquele Além Marão"
2020 Foi criada a nova imagem
2017 Apresentação na Casa dos Transmontanos do Porto
2022, Pela primeira vez, publicação em capa dura além de capa mole
2017 Apresentação na Confeitaria Luso-brasileira
2020 Publicação "Entre o Preto e o Branco"
2017 Apresentação no CITICA de Daqueles Além Marão
2016 Apresentação no CITICA de "Lágrimas no Rio"
2016 Publicação de Lágrimas no Rio
2016 Apresentação no ISLA de "Lágrimas no Rio"
2015 "Terras de Xisto" - A primeira publicação
2022 Publicação de "A Caixa do Mal"
2022 Devido ao seu sucesso, "Lágrimas no Rio" tem 2ª edição
2022 Publicação "Na Sombra da Mentira"
2022 Publicação "Depois das Velas se Apagarem"

sábado, 11 de outubro de 2025

Apresentação de Pseudocontos 1 de Jorge Santos


Há encontros que começam com palavras e acabam em amizade.

Foi assim com o Jorge Santos, que conheci pessoalmente no dia em que fundámos os Pentautores, naquele já lendário 14 de janeiro de 2017, em Porto D’Ave, na Póvoa de Lanhoso.
A Suzete Fraga, incansável como sempre, levou-nos nessa pequena odisseia literária que incluiu castelo, santuário e boa mesa.
Foi um dia frio, sim, mas cheio de calor humano — o dia em que percebi que as pessoas por trás das palavras são ainda mais interessantes do que os textos que escrevem.


Volvidos estes anos, tive o privilégio de voltar a partilhar um momento literário com o Jorge, que me convidou — como amigo e cofundador dos Pentautores — para escrever o prefácio e apresentar o seu livro Pseudo-contos 1.

Foi um convite especial, feito com a generosidade e a confiança que sempre caracterizaram a nossa amizade.

Pseudo-contos 1 é, como o próprio título sugere, uma brincadeira séria com a forma e o conteúdo.
São contos que desafiam convenções, cruzam o humor com o drama, o quotidiano com o insólito, o real com o fantástico.
Jorge Santos escreve com liberdade e ironia, mas também com uma ternura escondida entre as entrelinhas.
É o tipo de livro que nos faz rir num parágrafo e pensar profundamente no seguinte — e é precisamente isso que o torna tão humano.


A sessão contou também com a presença e participação da Fabíola Lopes, professora, bibliotecária e autora de obra publicada.

A Fabíola é uma voz literária plural — publicou poesia (As vozes em mim), contos (Sombras sonâmbulas) e livros infantis como O que há na barriga do meu pai? e O que há nos cabelos da minha mãe?.
Colabora ainda na comunidade literária bracarense, nomeadamente na tertúlia A Velha Escrita, da qual o Jorge é um dos fundadores.
A sua intervenção trouxe um olhar sensível e cúmplice sobre o livro, enriquecendo o diálogo entre autores e leitores.


Entre o público, estiveram também Suzete Fraga, autora de Almas Feridas e Almas Rebeldes, cofundadora dos Pentautores e presença constante no nosso percurso literário; Ana Maria Monteiro, membro honorário dos Pentautores e participante ativa da Velha Escrita; e JP Felix da Costa, autor de Casa de Sant’Anna, obra publicada pela Cordel d’Prata, que se juntou a nós nesta celebração da palavra.


A presença de todos tornou o momento ainda mais especial — uma verdadeira reunião de amigos das letras, onde a escrita foi, mais do que tema, o elo de ligação.

Durante a apresentação, não resisti a uma piada: disse que aceitara o convite com algum receio — afinal, o Jorge é bem capaz de me transformar em personagem de um conto… e matar-me logo no segundo parágrafo!
Mas, se fosse ele a escrever a minha morte, seria certamente com elegância, humor e uma boa metáfora — e não há maneira mais bonita de partir numa história.

O Jorge é, como eu, autor independente, e é essa independência que lhe permite escrever com tanta liberdade e autenticidade.
Além de escritor, é também fotógrafo talentoso e fundador da tertúlia A Velha Escrita, onde a palavra e a imagem se cruzam num mesmo olhar curioso e atento.


Pseudo-contos 1 é um livro plural, como o próprio Jorge: nele convivem o riso, a crítica social, a fantasia e a ternura.

Entre os meus preferidos estão “Ode à Lua”, “Romeu”, “A Louca e o Mar” e “Nunca à Terça-feira” — cada um deles uma pequena surpresa, uma janela aberta para o imaginário e para o humano.

Foi uma apresentação especial — feita com amizade, admiração e aquele prazer raro de ver alguém fazer o que mais gosta: contar histórias.






Share:

sábado, 27 de setembro de 2025

Lançamento do livro Sonetos de Lucinda Maria


No passado sábado, dia 27 de setembro de 2025, a Casa da Cultura César Oliveira, em Oliveira do Hospital, acolheu o lançamento do livro Sonetos, da autoria de Lucinda Maria. A sessão, com casa cheia, foi organizada pelas Bibliotecas Municipais de Oliveira do Hospital (BMOH e BLLB) e contou com a presença da vereadora da Cultura, Maria da Graça Silva, que fez a apresentação oficial da obra, e do presidente da Câmara Municipal, José Francisco Rolo.


Esta obra representa mais uma publicação da chancela das Produções Debaixo dos Céus, com o apoio da Autarquia de Oliveira do Hospital, reforçando o compromisso de ambas as instituições com a promoção da literatura e da cultura local.


Lucinda Maria é uma das autoras concelhias mais prolíficas, com uma carreira literária marcada pela paixão pela escrita e pela poesia. Natural de Oliveira do Hospital, iniciou a sua carreira docente em 1972 e, desde então, tem contribuído significativamente para a cultura local, com várias obras publicadas.


O evento contou com a presença de diversos amigos, familiares e admiradores da autora, incluindo escritores como Jorge Santos, de Braga, Suzete Fraga, da Póvoa de Lanhoso, William Bigorna, e eu próprio, representando as Produções Debaixo dos Céus, de Matosinhos. A tarde foi de celebração da poesia, da palavra e da partilha, refletindo o espírito comunitário e o apoio à literatura local.


Durante a apresentação, Lucinda Maria partilhou o seu processo criativo e a inspiração por trás da obra, destacando a importância da poesia na sua vida e no seu percurso literário. A sessão foi marcada por momentos de emoção e reconhecimento, reforçando o papel da autora na promoção da cultura e da literatura em Oliveira do Hospital.

O livro Sonetos é uma coletânea que reflete a sensibilidade e o domínio da autora na arte de compor sonetos, oferecendo ao leitor uma viagem poética rica em emoções e reflexões. A obra está disponível para aquisição através dos serviços da autarquia, diretamente com a autora ou mesmo connosco.


Este lançamento não só celebra a obra de Lucinda Maria, mas também reafirma o papel das Produções Debaixo dos Céus e da Autarquia de Oliveira do Hospital no incentivo à criação literária e à valorização da cultura local.



Share:

segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Terras de Xisto - Dez Anos a Contar Histórias


O início da viagem

Cumpriram-se no passado dia 31 de julho deste ano, dez anos desde a publicação do meu primeiro livro, Terras de Xisto e Outras Histórias. Uma década de escrita, de criação de mundos, de descobertas sobre pessoas, lugares e sobre mim mesmo.

Desde que me lembro, as histórias fizeram parte da minha vida. O meu pai tinha uma biblioteca considerável; era um simples tipógrafo, mas possuía uma cultura acima da média e adorava os seus livros, os meus avós, tanto o paterno como o materno, contavam anedotas ou peripécias da sua juventude que eu escutava avidamente. Passei muitas horas da infância mergulhado entre livros, num tempo em que não ainda não existia internet, os computadores eram coisas da NASA e a televisão só transmitia durante algumas horas do dia. Foi aí que aprendi a viajar sem sair do lugar e a sentir as personagens como velhos amigos.

O primeiro livro

Quando, no longínquo ano de 2014, decidi que iria publicar um livro, não tinha nada pronto, somente umas dezenas de páginas de histórias rabiscadas e muitas ideias.


Terras de Xisto e Outras Histórias nasceu assim mesmo, de ideias dispersas, pequenos contos que escrevi para recreação e que depois compilei. O primeiro deles, o meu preferido e que também dá título ao livro, revê o meu amor por Trás-os-Montes, pelo século XIX e pelas pessoas simples, generosas, mas determinadas, que habitam aquela região.

O enredo, trouxe à luz uma narrativa rica e envolvente que tocou os corações de muitos leitores. Este conto não só apresentava personagens inesquecíveis, como Maria e Zé, mas também fazia refletir sobre valores humanos fundamentais como a generosidade, o amor pelo próximo, a coragem e a justiça.


A evolução

Seguiu-se o romance Lágrimas no Rio, o meu livro mais vendido, num cenário semelhante a Terras de Xisto, mas em 1830, nos anos que antecederam a guerra civil entre D. Pedro e D. Miguel.

Depois, regressaram os contos, primeiro com Daqueles Além Marão e depois com Entre o Preto e o Branco. No primeiro explorei novamente personagens transmontanas, o segundo permitiu-me apresentar alguns contos passados nos nossos dias, a questão das escolhas que fazemos e as opções que temos disponíveis eram o tema.

Novo romance com A Caixa do Mal, voltei ao século XIX e aos dias das Guerras Liberais, cruzando elementos de Lágrimas no Rio e criando um ciclo intitulado A Maldição dos Montenegro.

Na Sombra da Mentira, o romance que me levou à cidade onde nasci, com uma narrativa contemporânea marcada pelo mistério e pela investigação pessoal do protagonista e várias retrospetivas aos tempos em que a cidade era uma aldeia.

Finalmente Depois das Velas se Apagarem, contos especiais selecionados pelos temas que tocam o sobrenatural.

 
       

 

 

Momentos marcantes e projetos

Ao longo destes dez anos, participei em dezenas de antologias de contos em diversas editoras, publiquei em diversos sítios da internet e fui um dos fundadores do grupo Pentautores, que lançou várias coletâneas.

 

Mais recentemente, comecei a apoiar outros autores através da minha “pseudoeditora” Produções Debaixo dos Céus, um projeto que talvez venha a ter um papel maior no meu futuro literário. Com ela publiquei trabalhos de Fernando Morgado, Lucinda Maria e Suzete Fraga e espero poder ajudar muitos mais.

Paralelamente, mantenho vários livros em progresso, que espero um dia concluir, e continuo a escrever contos, que partilho com amigos e leitores no meu blogue pessoal. A escrita continua a ser para mim uma viagem permanente, um diálogo com o passado, com a paisagem e com a imaginação.

Todas as histórias são reais… mesmo as imaginadas.
Há dez anos a cruzar memória, paisagem e imaginação.

Obrigado

Obrigado a todos os leitores que me acompanham nesta viagem. Dez anos podem parecer muito, mas para quem escreve, é somente o início de muitas histórias por contar.

Share:

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Sabotagem no Paraíso – Décima e última parte - Deus Irae

Este texto é uma obra de ficção. Embora possa incluir referências a eventos históricos e figuras reais, a história, os diálogos e as interpretações são fruto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, é mera coincidência.

 


Então o Senhor Deus disse à serpente: Porquanto fizeste isto, maldita serás mais que toda a fera, e mais que todos os animais do campo; sobre o teu ventre andarás, e pó comerás todos os dias da tua vida.

E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.

Génesis 3 Versículos 14 e 15

 

O inesperado discurso do lobo, que logo desapareceu em corrida, gerou mal-estar no grupo. Os pequenos orbes luminosos, percebendo que se perdia o ambiente propício, começaram a rodopiar com mais intensidade em volta deles.

De novo, humanos e anjo deixaram-se envolver pela volúpia e pelo desejo. Samael acariciou a cabeça de Adam e a de Lilian e aproximou-as para que eles se beijassem. Assim que o fizeram, ele próprio beijou Adam nos lábios. Rrava, sentindo-se posta de parte, infiltrou-se no meio dos três e roubou um beijo ao anjo, com os seus lábios carnudos cheios de sumo de maçã. Lilian envolveu Adam com os braços e as pernas. O belo rosto da mulher parecia alternar entre a pele e escamas verdes, como que se o seu aspeto de humana fosse uma capa para o réptil.

Envolvidos neles próprios, animados pela inspiração divina dos orbes, os dois casais perdiam-se em ósculos molhados, mãos que acariciavam, apertavam ou puxavam. Nenhum deles se apercebeu como o sol, sempre brilhante, começava a esconder-se entre as nuvens que tinham uma tonalidade rosada.

O céu foi-se cobrindo de vermelho e após negro, as nuvens formando um manto espesso e ameaçador. Vários raios atravessaram o éter antes de um portentoso trovão explodir fazendo vibrar o ar e tremer o chão.

Os amantes, surpreendidos, olharam para o centro da clareira onde se formara uma enorme e revolta bola de fogo. Logo atrás dela aguardavam dois querubins empunhando espadas flamejantes, as suas armaduras douradas refletiam o fogo da descomunal orbe.

No centro da bola inflamada manifestou-se o rosto e o corpo do Criador, em fogo vivo, que gritou incompreensíveis palavras iradas, tão alto, que todos tiveram de tapar os ouvidos.

Seguidamente, a própria orbe transformou-se num gigantesco anjo, todo ele composto de violentas chamas.

— Que fazem vocês, infelizes? — Gritou a impressionante aparição, a sua voz causando pequenos sismos.

Samael, estarrecido, arrastou-se para junto das árvores e ergueu-se, resistindo à tentação de fugir apavorado. Lillian tentou ocultar-se na vegetação, enquanto se convertia em serpente. Não conseguiu, porém, concluir a metamorfose e acabou com o tronco de uma mulher coberta de escamas e as pernas convertidas numa cauda verde que se debatia. Os orbes luminosos que os rodeavam caíram imediatamente, ficando a reluzir fracamente no local onde tombaram. Restaram apenas Adam e Rrava, abraçados, para enfrentar a fúria divina.

— Que fazem vocês, criaturas ingratas, depois de tudo o que vos dou? — A voz trovão voltou a interrogar ambos os frágeis humanos que tremiam descontroladamente.

— Perdoa-me, Senhor… — a voz fraca e trémula de Adam fez-se ouvir —… não sabia o que fazia… a mulher que me deste…

— A mulher que EU te dei. — O descomunal anjo ergueu-se em toda a altura, enquanto a sua voz amaciava. — Pois serei eu então o culpado da vossa corrupção…?

— Meu senhor, — tornou Adam, um pouco mais confiante —, ela chamou-me e…

— A serpente contou-nos coisas, senhor… — Rrava prostrou-se aos pés da aparição.

— Pois… a serpente… — o ser de fogo postou os seus olhos sobre Lillian, que estava apavorada a tentar rastejar para a vegetação — … não contente por desprezar tudo o que lhe dei e fiz por ela, atreve-se a corromper aqueles que seguiam as Minhas Palavras. Maldita serás para todo o sempre, que, por tua culpa, amaldiçoadas serão estas infelizes criaturas!

— Perdão, senhor… — também Adam se prostrou ante o Criador.

— Aqui tinham tudo, — a portentosa voz parecia pensativa enquanto enumerava —, bastava estender a mão para comer, não há frio, nem calor, não há perigo, não há dor… a tudo isto renunciastes, em troca de roupas para cobrir a nudez e de maçãs que vos disse não comessem. Não atentaram nas minhas palavras, mas sim nos enganos trazidos por quem não vos quer bem. Não vos chegavam os vossos corpos, tinham de ansiar outros… prazeres diferentes…

— Perdoa-nos pai! — Imploravam em uníssono Adam e Rrava, os rostos no chão, enlameados pelas lágrimas misturadas com a terra.

O anjo de fogo transformou a fúria no seu rosto numa máscara de tristeza e gotas de diamante correram dos seus olhos, evaporando-se ao percorrer o rosto ígneo.

Mais anjos desceram dos céus juntando-se aos querubins, observando o julgamento que se processava. Havia-os de todas as cores, de enorme estatura. Alguns praticamente humanos, uns mascarados pela divindade do seu estatuto, outros ocultos pelo demónio que os habitava, formavam uma silenciosa multidão, tão incrível quanto heterogénea.

— Adam! — A voz trovão retornou enquanto o fantástico ser apontava o dedo indicador ao apavorado humano. — Não mais terás vida fácil. As árvores negar-te-ão os seus frutos com espinhos e ramos, a terra será madrasta e terás de suar para arrancar o sustento. Conhecerás a dor. Os animais deixarão de te reconhecer, uns verão em ti um inimigo enquanto outros verão um alimento. Terás de lutar para salvar a vida e construir abrigo com as tuas próprias mãos. O céu não terá clemência e trará sobre ti chuvas intensas, neves geladas e sol escaldante.

Os orbes luminosos brilhavam fracamente no chão, formando um círculo à volta dos infelizes humanos, quando o Criador voltou o seu olhar feroz para a mulher.

— Tu, Rrava, serás eternamente escrava do teu amor pelo teu homem, trabalharás para ele e por ele serás maltratada. — O dedo acusador apontou-a para que não restassem dúvidas a quem se dirigia. — O homem te subjugará e descarregará em ti as suas frustrações, por te saber mais inteligente que ele e, fará aquilo que mandas… apenas para depois te flagelar novamente. Conhecerás a dor de trazer os filhos ao mundo. Olharás a tua irmã com suspeição e erguerás a mão contra ela por ciúmes e invejas mesquinhas. Não terás amigas, apenas rivais.

O casal humano chorava e gemia enquanto implorava o perdão divino.

— Tu, réptil maldito! — Apontava o dedo agora à serpente/Lillian. — Serás maldita para sempre. Todos os seres vivos te temerão e tentarão tirar-te a vida. A mulher será tua inimiga jurada, morderás o seu calcanhar e ela esmagar-te-á a cabeça. Pobre criatura que já não sabes bem se és humana ou demónio. O teu nome não será mais Lillian, pois nada tens de pureza ou inocência, agora chamar-te-ás Lilith, pois trazes contigo nos ventos da luxúria a escuridão e a maldade.

O ser divino suspirou profundamente ao olhar para o aterrorizado Samael, que optara por manter o seu aspeto frágil de humano, em vez do seu alter-ego divino, com mais estatura e dignidade. Grossas lágrimas corriam-lhe no rosto.

A um gesto do criador, todas as pequenas orbes no chão materializaram-se nas formas humanas de várias dezenas de anjos, uns ajoelhados, outros sentados. Havia uma grande variedade de expressões nos seus rostos, envergonhados, tristes, alguns zangados…

— Perdoa-me Pai! — Samael não aguentou mais e atirou-se ao chão em contrição. Percebera finalmente que estivera a ser usado por Armaros e Samyaza. — Perdoa-me ter abandonado a Tua Luz, ampara-me de novo no Teu Seio. Deixa-me provar o meu arrependimento!

Novas lágrimas de diamante correram no divino rosto antes de fazer um gesto e Samael ascender como um raio, numa coluna de vapor, em direção ao céu.

Lillian tentou seguir a trajetória vertiginosa do seu amante, antes de deitar um olhar ressentido ao Criador. Ela estivera sempre ao lado daquele anjo mal-agradecido e sofrera as consequências dos atos que ambos cometeram, para agora ele ser perdoado e ela duplamente amaldiçoada. Antes que alguém pudesse dizer ou fazer alguma coisa, enunciou as palavras para o teletransporte e evaporou-se com um estouro do ar subitamente vazio.

Contristado, o gigantesco anjo flamejante acenou negativamente a cabeça, antes de se voltar para os restantes membros da conspiração.

— Os meus filhos traidores… — o Criador chorava enquanto fitava um a um os anjos caídos, desorganizados no chão —… conspiradores, falsos… — nenhum deles se atrevia a enfrentar o olhar do pai —… perjuros. Samyaza, — chamou com voz triste, embora o visado não se atrevesse a olhá-lo —, confiei-te os destinos humanos. Armaros, — este levantou os olhos, mas logo os baixou novamente, envergonhado —, prometeste cuidar deles e não se envolver com eles. Criaste monstros, ensinaste-lhes monstruosidades! Que fizestes?! Anátema!!!!

Os anjos que assistiam ao julgamento entoaram, a uma só voz, as bênçãos ao Criador:

“Bendito és Tu, Adonai, que libertas os aprisionados!

Bendito és Tu, Adonai, que levantas os subjugados!

Bendito és Tu, Rei do Universo, o Teu perdão é doce como o mel!

Bendito és Tu, Rei do Universo, o Teu desprezo é amargo como fel!

Bendito és Tu, Adonai, a Tua ira é divina e fatal!

Bendito és Tu, Adonai, o Teu castigo é justo e brutal!”

— Azazel, meu filho, até tu. — Continuou o Criador. — Tomaste esposa entre eles, ensinaste-os a fazer armas!?

— Meu Pai! — Também o referido, apesar de se atrever a contestar, não enfrentava a visão de magnificência e divindade do Criador. — Foste Tu quem subverteu a criação! Por que destruíste as vidas anteriores da Terra? Não poderiam todos coexistir? Quanto às esposas, também Tu tinhas uma, não Te recordas? Ou não queres recordar? — Aqui olhou-O em desafio. — Que fizeste de Asherah[1], a rainha dos céus?

— Pois atreves-te a confrontar-me? — O Criador pareceu crescer ainda mais, à medida que as suas lágrimas se enxugavam. A sua pele dourada parecia ferver. — Comparas Asherah aos reles humanos?!? Ousas invocar o nome que proibi que fosse mencionado[2]?

O portentoso anjo dourado retornou lentamente à sua forma de bola de fogo, onde o terrível rosto se distinguia, retorcendo-se em máscaras de fúria, como que se debatendo com as Suas diversas personalidades.

Os anjos que assistiam ao drama tentaram suavizar a fúria do criador com o coro celestial: — Bendito és Tu, Adonai, que libertas os aprisionados!

Bendito és Tu, Adonai, que levantas os subjugados!

Bendito és Tu, Rei do Universo, o Teu perdão é doce como o mel!

— Malditos sois!!!! — O grito fez tremer o chão, em simultâneo com um possante trovão que atroou os céus. — Caídos do meu coração, agora e para sempre!

Para consternação dos anjos transgressores, as suas asas soltaram-se das costas, e caíram ao chão como fruta madura, onde se dissolveram rapidamente. Os seguidores do Criador choraram o infortúnio dos seus irmãos.

— Vagueareis pela Terra desolada, que conspurcastes com os vossos desmandos. Tereis desprezo dos irmãos dos Céus e chacota dos que se converteram em demónios no passado. — A maldição do Criador recomeçou, cada palavra fazendo vibrar as próprias árvores. — Na vossa miséria acompanhareis os humanos, que desprezais e adorais e com eles compartilharão destinos, até que algo façais que desperte a minha compaixão! Assim se faça conforme a Minha vontade!

— Amém!!!!! — Cantou o coro angelical, também ele ecoando nos céus e na terra.

Quase de imediato começou a levantar-se um turbilhão de poeiras e folhas que rapidamente se transformou num terrível furacão. Humanos e anjos foram arrastados pela fúria do vento e espalhados por toda a terra.

O furor da tempestade de areia dissipara-se e a vegetação luxuriante do Jardim não passava agora de uma vaga memória. Adam e Rrava deram por si, sozinhos, numa encosta arenosa, pontilhada com algumas poucas palmeiras, que descia em direção a um largo rio.

Numa duna mais afastada, um dos anjos despojados das suas asas ergueu-se, curvado pela vergonha. Deitou um olhar desolado ao casal humano e começou a caminhar em sentido contrário, desaparecendo na curva do terreno.

O vento quente atirava areia pelo ar abafado. O sol inclemente, instou-os a procurar a sombra de uma das palmeiras. Os dois frágeis seres estavam pela primeira vez verdadeiramente sozinhos; ausência de Deus era um pesado vazio que não conseguiam explicar.

Com os pés a queimar na areia, chegaram finalmente à sombra protetora. Uma pequena víbora agitou-se à chegada deles e Rrava, instintivamente, chutou-lhe uma porção de areia que a fez fugir. O divórcio entre os humanos e os animais estava consumado.

Sem saber o que fazer, em choque, sentaram-se no chão quente e hostil. Algo na barriga de Rrava movimentou-se e ela colocou a mão sobre a perturbação. Uma palavra acudiu-lhe imediatamente aos lábios: — Caim.

 



[1] Asherah ou Aserá é identificada como rainha consorte do deus sumério Anu e do deus ugarítico El, as mais antigas divindades dos seus respetivos panteões, bem como era consorte de Javé, Deus de Israel e Judá. In Wikipedia

[2] Apesar de ter sido adorada no panteão judaico, enquanto rainha dos céus, durante o período politeísta, a conversão em monoteísta fez com que fosse esquecida e os seus seguidores acusados de idolatraria.

Share:

segunda-feira, 30 de dezembro de 2024

Sabotagem no Paraíso – Nona parte - Sedução e Engano

Este texto é uma obra de ficção. Embora possa incluir referências a eventos históricos e figuras reais, a história, os diálogos e as interpretações são fruto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, é mera coincidência.

 

 
 

As carícias, os beijos sabedores e o feitiço de atração de Samael, deixaram Rrava sem ação e ela deixou que ele a sentasse no chão, sentando-se ele próprio a seu lado.

O anjo acariciou-lhe o rosto e o cabelo enquanto ela reclinava a cabeça para trás e perguntava sonhadoramente: — Que tenho de fazer para ver como são as coisas fora do jardim? Como posso conhecer esses homens que constroem as suas próprias grutas onde querem?

— Se o Pai te deixasse sair, era fácil… — Atirou Samael.

— Mas Ele nunca nos proibiu de nada, — ela abriu os olhos, intrigada — pensas que vai impedir de sair? Nem ao menos um bocadinho?

— Sim, tenho a certeza que não vai querer que saias, mas tens a certeza que nunca vos proibiu nada? — O anjo esboçou um sorriso conhecedor.

— Bem, — corrigiu-se ela —, disse-nos que não comêssemos nada de uma destas árvores. — Apontou uma modesta macieira carregada de maçãs vermelhas e reluzentes.

— Mas por quê? — Insistiu Samael.

— Não sei. — A jovem exibiu uma expressão de criança, enquanto encolhia os ombros. — Nunca pensei nisso, se calhar vai fazer-nos mal.

— Não faz mal nenhum, é mentira. — Lillian recuperou lentamente a forma humana ante o olhar espantado de Rrava, enquanto exibia as suas formas por baixo da túnica curta cor-de-ferrugem que a cobria. — Podes comer de tudo o que existe no jardim e nada te fará mal.

— Esta é Lillian. — Apresentou Samael, sem se levantar. — Também já viveu neste jardim, como tu. Ela tem razão, nada neste jardim te fará mal, a proibição é uma prova da vossa obediência.

Como que para o provar, Lillian apanhou uma das maçãs mais baixas nos ramos, trincou-a e mastigou-a sonoramente, após o que. passou lentamente a língua pelos lábios exuberantes.

O anjo, aproveitando a voluptuosa cena, puxou novamente o rosto de Rrava para o seu e beijou-a longamente, emitindo uma vez mais as ondas de desejo que Lillian sentiu.

Os pequenos orbes[1] luminosos e quase translúcidos, que se escondiam entre a folhagem, libertaram-se em rodopios em volta dos amantes, como que a festejar o amor.

Sem que ninguém se percebesse, Adam surgiu na entrada da clareira, logo ao lado de Lillian, que estremeceu ao vê-lo.

O homem ficou estático, tentando perceber o que via; a sua Rrava estava deitada no chão abraçada e aos beijos a outro homem e ali, a seu lado, estava a mulher revoltada que fugira de junto dele.

— Lillian? — A voz dele, quase inaudível, dir-se-ia não querer perturbar os amantes. — Não te foste embora?

Os orbes, percebendo a presença do intruso, compreenderam que o plano podia de Samael podia ruir de um segundo para o outro. Voaram rapidamente em volta de Lillian e Adam, envolvendo-os em rodopios e atraindo sobre eles um deleitante raio de sol.

Novamente as inexplicáveis ondas de desejo envolveram, desta vez o antigo casal. O homem olhou-a de alto a baixo e ela ofereceu-lhe a maçã, com a parte trincada voltada para ele.

Após alguma hesitação, ele deu uma sonora trincadela no fruto, deixando algum do sumo escorrer do canto da boca. Aproveitando a deixa, Lilian beijou-o no local, para que não se perdesse.

Adam apertou-a contra si e, embalados pelo desejo sobrenatural que os consumia, envolveram-se numa união carnal em que cada um tentava a supremacia sobre o outro.

Saciados, os dois casais, estavam sentados no chão em círculo.

Adam ainda estava incrédulo com o regresso de Lillian e a presença de outro humano no jardim. Sempre acreditara que, para além deles e do Pai, não existia mais ninguém parecido no mundo. Bombardeou-os com perguntas, apoiado por Rrava que sempre se calava quando ele a interrompia.

O interesse de Rrava voltou-se por fim para as “finas peles” com que se cobriam os estranhos. Queria saber do que eram feitas e para que serviam. Samael, porém, estava mais interessado em convencer Adam de que a vida fora do jardim era livre e que podiam fazer e andar por onde quisessem, ao contrário do que acontecia ali.

Lilian ensinou Rrava a juntar várias folhas grandes e costurá-las com fibras de uma trepadeira para formar uma saia grosseira. Ela aprendeu tão rapidamente, que fez outra para Adam que ficou um pouco confundido quando lha pôs à cintura.

Rrava estava felicíssima com a nova habilidade e fez um pequeno corpete com que ocultou os fartos seios. Como agradecimento, abraçou e beijou Lillian nos lábios, encostando o seu corpo quente ao dela. A mulher renegada sentiu-se estranhamente excitada, surpreendida porque pensava que tal só acontecia com homens e principalmente com o “seu” Samael. A outra, porém, não se imobilizara e correu a apanhar mais uma maçã que partilhou com ela após dar a primeira mordida.

— Sabias que estamos fechados num jardim e muitas pessoas iguais a nós, vivem para além dele? — Adam interrompeu o potencial idílio entre as duas. — O Pai alguma vez te falou deles?

— Não. Nunca. — Confirmou Rrava. — A primeira vez que ouvi isso foi contado por ele. — Apontou Samael com o queixo.

— Claro que Ele não quer que saibam. — Interveio Lillian intempestivamente. — Quer vos manter aqui presos na ignorância. Também eu não sabia e tive de ir lá fora para ver com os meus olhos. A minha desobediência foi castigada, transformando-me numa serpente! — Samael arregalou os olhos, horrorizado com a mentira, mas ela não se refreou. — Queria submeter-me ou matar-me, mas não conseguiu, porque os anjos protegem-me.

— Transformou-te em serpente? — Adam estava espantado. — O Pai fez isso?

— Sim! — Ela insistiu na mentira, para horror de Samael. — Assim poderia matar-me com mais facilidade, mas os anjos esconderam-me e ensinaram-me a sair da forma a que fui condenada. — Sorriu ao ver os olhares de admiração deles. — Se vierem connosco, eles também vos protegerão.

— Depois Ele não virá atrás de nós também? — Rrava mostrou-se atemorizada. — Certamente nos quererá matar por fugirmos.

— Levar-vos-emos para a Terra dos Homens, onde vivem em grande número. — Corroborou Samael. — Eu e os meus irmãos velaremos para que o Pai não vos encontre. Lá podereis viver como quiserdes.

— Podereis ter roupas como as nossas. — Incentivou Lillian antes de se aperceber que o lobo os observava à distância, desconfiado. — Voltou… — sorriu —… lobo….

— Não é estranho que, tirando o lobo, não haja mais nenhum animal à vista? — Observou Adam.

— Sim, já tinha reparado. — Confirmou Rrava. — Apenas Samael como melro e ela como serpente…

— Lobo! — Chamou Lillian. — Vem cá, não tenhas medo, sou eu, Lillian! — Deu alguns passos na direção dele, que começou a recuar e a rosnar.

— Vão-se embora! — Latiu ameaçadoramente o lobo. — Vão-se embora daqui! — Eriçou os pelos do cachaço enquanto puxava as orelhas para trás ameaçadoramente. — O teu lugar não é aqui, Lillian, criança desobediente, vai-te para a terra enferma de onde vieste, vai-te embora em nome do Criador!



[1] Corpo esférico ou circular. = BOLA, ESFERA, GLOBO
"orbe", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

 

Share:

terça-feira, 24 de dezembro de 2024

Natal 2024

 


Share:

domingo, 22 de dezembro de 2024

Sabotagem no Paraíso - Oitava parte - Perfídia

Este texto é uma obra de ficção. Embora possa incluir referências a eventos históricos e figuras reais, a história, os diálogos e as interpretações são fruto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, é mera coincidência.

 

Lilian começava já a pensar se não poderiam ter uma vida melhor ali naquele jardim, em vez de voltar para a aridez do mundo. Samael sentiu-se preocupado quando ela lhe deu a entender que se sentia como que voltando a casa.

— Esta já não é a tua casa. — Avisou-a o anjo, com os olhos postos no chão. — Eventualmente, o Criador poderá até te perdoar, mas creio que nunca te permitirá que regresses aqui. Se suspeitasse que nos infiltramos, enviaria um exército de anjos que nos encontrariam e aprisionariam.

— A ti também? — Ela abriu muito os olhos verdes.

— A mim também. — Ele acenou gravemente. — A ti poderia matar-te ou simplesmente expulsar-te para muito longe, de onde não conseguisses voltar, a mim expulsar-me-ia do Céu e porventura tirar-me-ia as asas… pior que isso, só ser lançado nas chamas eternas no centro da terra.

Caminhavam despreocupadamente pela vereda, apesar da gravidade do tema, como se não tivessem nada a esconder. Lilian meditava nas palavras do anjo e na gravidade do castigo que ambos se sujeitavam, quando depararam com o lobo.

O animal, surpreendido com os intrusos, ficou parado no meio do caminho com as patas perfeitamente apoiadas numa atitude de expectativa. As orelhas puxadas para trás e a cauda inerte mostravam a sua dúvida entre fugir ou atacar.

A mulher reconheceu imediatamente o canídeo que sempre os acompanhava quando ela habitava o jardim e estranhou de imediato a postura agressiva.

— Lobo. — Chamou ela suavemente. — Lobo, não te lembras de mim?

Um rosnar de advertência foi a resposta, antes de soltar o que pareceu um sopro de desprezo e voltar-lhes as costas. Ignorando-os, trotou pela vereda, em sentido contrário ao que trazia.

— Não acredito que já não se lembra de mim em tão pouco tempo! — Lilian bufou de frustração e fez o gesto de atirar um pequeno objeto que tinha na mão.

O braço dela passou perto de Samael o suficiente para lhe despertar a atenção e ficar a olhá-la e à mão fortemente fechada que escondia algo.

— Que tens aí? — Interrogou o anjo, perante o ar culpado que a denunciava.

— Nada. — Ela cerrou ainda mais a mão. — É só uma coisa minha… para me sentir mais confiante.

Ele estendeu a mão insistentemente e aguardou até que ela, relutantemente, pousasse uma pequena pirâmide talhada em madeira.

Assim que o objeto caiu na palma da mão dele, começou a escutar milhares de vozes que sussurravam continuamente uma oração ou um encantamento.

— Foi Armaros quem te deu isso, não foi? — Ela confirmou com um aceno da cabeça, mantendo os olhos baixos. Ele abriu-lhe a mão e devolveu o amuleto. — É um feitiço. A esta hora, ele e todos os que o ajudaram a urdi-lo sabem onde estamos e como chegar aqui. — O seu desapontamento era óbvio. — O segredo da localização está perdido.

— Desculpa. — Lilian mostrava-se verdadeiramente desolada. — Não percebi. Ele disse-me que to não mostrasse, pois irias ter ciúmes por dar a mim e não a ti.

Samael esboçou um sorriso triste. Também os anjos começavam a mentir despudoradamente. Aprendiam com os humanos. Afinal a evolução (?) acontecia nos dois sentidos, ou será que era a evolução dos humanos e a regressão dos anjos?

— Temos de ir. — Instou Samael iniciando uma caminhada decidida na direção que o lobo tomara. Obediente e constrangida, ela seguiu-o.

Não tardou que vissem Adam, que seguia o voo de uma borboleta, tentando escutar o que a sua quase inaudível vozinha dizia. Os dois intrusos regressaram rapidamente aos seus disfarces e mantiveram-se a observar ocultos pelas folhas dos arbustos. A abertura de uma caverna podia observar-se ao fundo por trás de Adam; o seu novo lar.

— Ah, que pássaro tão bonito! — A voz feminina surpreendeu o melro/Samael. — Que penugem tão lustrosa e um bico amarelo tão lindo.

 

e olhos amendoados. O seu luxuriante cabelo escuro, quase lhe cobria o corpo, de onde sobressaíam os seios de bicos rosados.

Olá! — O melro reagiu rapidamente, no vocabulário limitado, típico dos animais do paraíso. — Também muito bonita, tu. Irmãos falarem de ti e eu querer ver. — O plano insidioso iria começar de imediato.

— Oh, a sério? — O sorriso dela fê-la ainda mais bela. — Também estranhava nunca te ter visto aqui.

— Venho de longe. — Continuou ele, observando pelo canto do olho como Adam se afastava da clareira perseguindo a borboleta. — De fora do jardim, onde vivem os outros homens.

— Outros homens? — Espantou-se ela. — Quais? Há mais alguém além de Adam e do Pai? — A semente estava lançada.

O melro saltitou de arbusto em arbusto, na direção contrária à que seguira Adam. Rrava seguiu-o, curiosa: — Diz-me, há mais pessoas por aí?

— Sim, mais perto do que imaginas. — O pássaro fez um pequeno voo para mais longe da caverna, logo seguido pela mulher. A serpente castanha acompanhava-os silenciosamente, oculta da vista, rastejando entre a folhagem que cobria o chão.

— Mas… — a curiosidade tinha sido despertada e estava imparável —… Onde estão? Porque nunca os vi? Porque os outros pássaros não falam deles? — Aqui imobilizou-se e olhou para as copas das árvores. — Onde andam os pássaros?

 — O pai não quer os homens por perto e eles vivem por aí em casas de lama e pedra. — Samael falou de ainda mais longe, atraindo novamente a atenção dela.

— Que são casas? — Rrava correu para junto do melro.

— São lugares como a caverna onde vives, mas são os homens que as constroem onde querem. — Explicou pássaro negro.

— Eu gostava que a caverna ficasse mais próxima do rio. — Disse ela pensativamente. — Como posso construí-la lá?

— Não podes. — O melro esvoaçou para outra folha mais distante. — Aí está, não sabes fazê-lo. Mas, se estivesses fora do jardim, com os outros homens, eles ajudavam-te a fazê-la.

— Então, como encontro esses homens? — Ela ergueu os ombros numa interrogativa.

Samael assumiu a forma humana frente a ela enquanto respondia maviosamente: — Terás de sair do jardim, eu ensino-te como o fazer, quiseres.

A serpente/Lilian circulou pelos arbustos perto deles, apreciando o insidioso círculo de sedução que o anjo construía em volta da inocente Rrava. Devido ao seu estado, agora quase divino, conseguia sentir as ondas de emoções que Samael emitia e que o tornavam irresistível… Era o mesmo “truque” que com certeza utilizara com ela e fazia-a sentir raiva, repulsa e… admiração.

Rrava e o anjo beijaram-se longamente. A volúpia provocada pelo ente divino enlouquecia-a ela entregou-se completamente às suas mãos experientes.

Lilian sentia-se inquieta, ciumenta, talvez, mas algo mais. Olhou em volta e notou a oscilação de luz que acontecia em alguns locais. Percebeu de imediato que eram observados por alguém invisível e rastejou sub-repticiamente para junto da anomalia. O tremeluzir afastou-se ligeiramente, mostrando que a via e, possivelmente, tinha consciência dela para além da sua forma de serpente.

Quase de imediato, a forma translúcida de um sorridente Armaros, com o dedo pousado sobre os lábios, pedia que não dissesse nada. Tornou a desaparecer no momento seguinte. Procurando com mais atenção, detetou várias pequenas orbes luminosas saltitando pela clareira; o segredo da localização do Jardim do Éden fora revelado.

Share:

Em Destaque

Sabotagem no Paraíso

E disse Deus: Produza a terra erva verde, erva que dê semente, árvore frutífera que dê fruto segundo a sua espécie, cuja semente está...

Receba as últimas novidades

Receba as novas publicações por correio eletrónico:

Número total de visualizações de páginas

Mensagens populares

Publicações aleatórias

Colaborações


Etiquetas

Contos (104) Marketing (61) Samizdat (56) Lançamentos (38) Contos Extensos (32) Eventos (32) Contemporaneo (31) religião (27) Autobiográfico (26) Antologias (24) Noticias (24) Poesia (23) TDXisto (22) pobreza (22) roubo (22) Na Madrugada dos Tempos (21) pre-historia (21) primitivo (21) sobrenatural (19) criminalidade (18) Crónicas (17) biblico (17) A Maldição dos Montenegro (16) Sui Generis (16) homicidio (14) DAMarão (13) Suporte a criação (13) genesis (13) publicações (13) Indigente (12) Recordações (12) sem-abrigo (12) separação (12) Pentautores (11) Distinção (10) Século XIX (9) Uma Casa nas Ruas (9) livros (9) perda (8) solidão (8) Apresentações (7) Cartão de Natal (7) Celebrações (7) Entrevistas (7) terceira idade (7) Na Pele do Lobo (6) Rute (6) Terras de Xisto (6) Trás-os-montes (6) intolerancia (6) lobisomens (6) mosteiro (6) Papel D'Arroz (5) Portugal (5) Revista (5) guerra (5) medo (5) morte (5) opressão (5) traição (5) Corrécio (4) Divulga Escritor (4) geriatria (4) sofrimento (4) vicio (4) LNRio (3) Violência doméstica (3) dor (3) Carrazeda de Ansiães (2) Entre o Preto e o Branco (2) Ficção (2) Humor (2) Projetos (2) ambição (2) apocaliptico (2) cemiterio (2) culpa (2) futurista (2) isolamento (2) jogo (2) lendas (2) sonhos (2) Abuso sexual (1) Covid-19 (1) Extraterrestres (1) Minho Digital (1) Pandemia (1) Perversão (1) Viagens do tempo (1) abel e caim (1) bondade (1) desertificação (1) dificuldades (1) emigração (1) escultura (1) hospital (1) materialismo (1) mouras (1) natal (1) sorte (1) suspense (1) transfiguração (1)

Imprimir

Print Friendly and PDF