1937 – 2021
Estás aí, mãe? Para lá dos sonhos, noutra dimensão? Estás aí? Nesse corpo vazio e imóvel?
Eu sei que não estás. Como sei que não és tu por trás da janela iluminada daquela divisão onde escreveste tantos poemas. Daquela mesma janela de onde me dizias “Está tudo bem!”, mesmo quando não estava tudo muito bem.
Já não habitas a casa onde me contavas as histórias da tua juventude e eu os frutos da minha imaginação, que redundavam em contos que lias e comentavas avidamente. Quanto tempo passamos, após a partida do pai, a ver as fotografias enquanto me explicavas quem eram aqueles já desaparecidos há muito nas brumas do esquecimento.
Estás aí, mãe? A esperar, de olhos brilhantes, aqueles poucos minutos por dia que eu te dispensava? Estás naquele velho sofá, mesmo ao lado de um outro vazio há tanto tempo, no qual nunca fui capaz de me sentar?
Já não estás lá. para eu entrar sem que me respondesses e te encontrasse sentada a dormir, sozinha na sala, com a televisão apagada. Tu que adoravas o pequeno ecrã, os livros e os teus poemas, estavas cada vez mais debilitada e desinteressada.
Estás aí, mãe? Trocaste enfim o andarilho pela cadeira de rodas e os teus pés já não obedecem. Consegues suster-te nas pernas sem que eu tenha de erguer em abraços que tantas vez me pediste?
Sei que não estás. Não ocupas mais esse corpo sofrido que já não conseguia suster o peso da alma. Que te afastavas lentamente, cada vez que, ausente de tudo e de todos, ficavas a olhar o vazio, atenta em algo que não conseguíamos ver.
Estás aí, mãe? Nessa calma falsa de respirar entrecortado, entorpecida pelas drogas que te dão para suportar os horríveis tratamentos? Nesse sono exausto pelo sofrimento, quase morte, espelhado no rosto cadavérico.
Perdoa-me mãe, que pedi a Deus que te poupasse e não sofresses mais e depois de tantos dias ausente, olhaste para mim e sorriste. Foram uns segundos apenas, uns ínfimos momentos com um pé no nosso mundo e outro na eternidade. Nesse momento, que me pareceu ter durado uma vida, os teus olhos diziam-me “Não faz mal, está tudo bem.”
Já não estás aí, mãe. Não foi surpresa para mim que voltasses para o teu mundo de ausência, nem o desfecho final, que aguardava há mais de uma semana…. era já esperado o fim do teu sofrimento e a partida para junto daquele que ainda hoje amas e de quem te custou tanto apartar.
Sei que não estás aqui, mãe. Descansa em paz.
9 comments:
Forte Abraço!
Estás aí, mãe, eu sei que estás. As nossas mães estou sempre o de e quando nos lembramos delas.
Os melhores poemas que ela escreveu, estão nos laços que deixou, e o vosso laço é eterno.
Forte abraço.
Bom dia Manuel Amaro! Não é fácil esquecer, muita força para toda a família. Abraço.
Linda mensagem beijinhos
Fez-me chorar...
Como è difícil sentir saudade sem doer no peito, ainda que saibamos que tudo que a natureza traz, também leva.
Um abraço e força.🤍
Onde estiverem estão muito orgulhosos pelo filho lindo que és. Assim como eu tenho muito orgulho de seres meu primo e amigo. Beijinhos
A sua mãe, minha companheira das letras, faria hoje hoje mais 1 ano. Vim espreitar as suas palavras e acabei chorando.
Tenho meu marido, com um cancro terminal, e compreendi esse sofrimento de que fala.
Coragem!
Linda publicação, onde estiver está concerteza com muito orgulho do filho que te tornaste, um beijinho grande
Hoje seria o seu aniversário! Esteja onde estiver, está em paz!
Beijinho.
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