sexta-feira, 29 de novembro de 2019

O Natal de Miriam

Este texto é uma obra de ficção. Embora possa incluir referências a eventos históricos e figuras reais, a história, os diálogos e as interpretações são fruto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, é mera coincidência.




— Mãe? O que é o Natal?
A mulher, que preparava alguns legumes, sobre a mesa, olhou para baixo, para a filha, com cerca de sete anos. De seguida olhou para o marido, Josh, que se debatia com uma agulha, a coser uma peça de couro. Este devolveu-lhe a mirada, com uma expressão enfastiada, como que percebendo o que vinha por aí.
— Nunca ouviste essa palavra, Miriam? — A mãe sentou-se num bloco de madeira, junto à lareira que crepitava e iluminava-lhe o rosto em tons de dourado.
Percebendo que aquele era o prenuncio de uma das fantásticas histórias da sua progenitora, a criança aconchegou-se no colo dela.
— Não. Apenas agora, quando a disseste. — Os enormes olhos da criança reluziam, expectantes. — Festejar o Natal? É uma festa, então.
O irmão da criança, pouco mais velho, interrompeu as suas brincadeiras e veio sentar-se junto deles.
— Já vi que hoje, vamos comer tarde… — Resmungou Josh, quase de si para si. — Podias deixar essas crendices para depois, Yara.
— Sim, é uma festa. Uma festa de aniversário. — A mulher ignorou o esposo, enquanto começava. — Há muitos, muitos anos atrás, numa terra, muito, muito longe, chamada Belém, nasceu uma criança. Era, porém, uma criança muito especial.
— Porquê? — Os enormes olhos de Miriam estavam fitos no rosto da mãe.
— O povo dessa criança, estava a sofrer muito, com uns homens chamados romanos. Eles estavam a escravizá-los e havia uma lenda que dizia que ia nascer um rei, que iria expulsar esses homens.
 — Ora! — Romi, o mais velho dos filhos criticou. — Se ia nascer ainda, bem podiam esperar que ele se tornasse rei. Já estariam todos velhos! E os romanos podiam matá-lo logo que nascesse, ou à mãe do rei.
— O problema, — Yara continuou, imperturbável. — era que ninguém sabia quem seria a mãe, nem onde nasceria esse rei. Mas as pessoas esperavam-no e desejavam muito a sua vinda.
— E quem eram os pais desse rei? — A curiosidade insaciável de Miriam não dava tempo para explicar.
— Ninguém sabia, como eu disse, mas foram escolhidas duas pessoas humildes, com poucos haveres, que viviam numa região chamada Nazaré.
— Humildes?!? Poucos haveres?!? — Romi não conseguia acreditar. — Um rei não nasce de pessoas assim! Quem os escolheu?
— Quando a mulher engravidou, veio um anjo, que lhe disse que iria trazer ao mundo um rei. — A mãe continuou pacientemente. — O casal escolhido era Miriam e Joshua.
— Como eu e o papá! — A menina estava felicíssima.
— Que é um anjo? — O rapaz estava interessado noutros temas.
— Anjos, são seres de luz, que habitam noutra dimensão. Sós os vemos, se eles quiserem.
— Yara. — Josh censurou, sem, no entanto, deixar o trabalho. — Vais assustar as crianças.
— Não fazem mal a ninguém. — A mãe sossegou-os. — São mensageiros do Senhor dos Céus e foi Ele, quem escolheu e mandou o anjo avisar Miriam.
— Não foi muito esperto, esse Senhor dos Céus. — Afirmou Romi com desdém. — Se escolhesse alguém rico e poderoso, era muito mais fácil para o rei.
Josh e Yara olharam-se rapidamente e riram-se do comentário.
— Tens razão, meu filho. — Concordou a mãe. — Mas Ele preferiu alguém que não estivesse habituado a uma vida boa e sem dificuldades. Queria alguém que não sentisse falta dos luxos e andasse entre os pobres e doentes a consolá-los e a ver o que precisavam. Este, não seria um rei que comanda exércitos, mas o rei do amor e da compaixão.
— Então! — O rapaz ficou perplexo. — Eles não queriam um rei para lutar contra os romanicos?
— Romanos! — Yara corrigiu, sorrindo. — Sim, queriam, mas o Senhor dos Céus achou que eles precisavam era de amor e compaixão, numa altura em que se morria por qualquer coisa e os homens lutavam por tudo e por nada.
— Iiihh! Eles vão ficar zangados! — Concluiu Romi.
— Sim, ficaram, mas isso é outra história e agora estamos a contar a história do Natal. — A mãe teve de cortar as perguntas para poder continuar. — Um dia, Joshua e Miriam, tiveram de ir à cidade grande, Belém, porque tinham de resolver uns problemas lá e foram muito preocupados, porque a criança estava quase a nascer. Mesmo assim, fizeram a longa viagem entre as duas terras, naquele tempo andava-se quase sempre a pé e quando chegaram lá, já era de noite e não arranjavam um sítio para dormir. Andaram de porta, em porta, mas ninguém os ajudava e acabaram por sair da cidade, onde encontraram um barracão de uns pastores para ficar.
As duas crianças estavam penduradas das palavras da mãe, de olhos vivos e atentos.
— Foi assim que o rei dos homens nasceu. Num monte de palha, dentro de uma barraca de pastores, aquecido pelo bafo dos animais que lá se abrigavam. Chamaram-lhe Yeshua. — Não se ouvia um ruído, enquanto ela continuava a narrativa. — Passado algum tempo, começaram a chegar pastores e alguns agricultores com roupa e comida, que ofereceram ao casal e ao recém-nascido. Por fim, até uns reis, vindos de terras distantes, trouxeram prendas valiosas que lhes ofereceram também.
— Como é que essa gente soube? — Miriam estranhou. — Se eram pobres e ninguém sabia que estavam para ali?
— O Senhor dos Céus mandou um anjo avisar as pessoas em volta. E os reis que vinham de longe, já há vários dias seguiam uma enorme estrela brilhante, que atravessava o céu e pareceu parar exatamente por cima do barracão. Todos souberam que aquela criança iria ser muito importante na história da humanidade. Desde essa altura e por muitos, muitos anos, neste dia, o do nascimento de Yeshua, as pessoas davam prendas umas às outras para lembrar o nascimento desse grande rei. Por isso, hoje também vocês vão receber uma prenda. — Dito isso, ergueu-se e presenteou ambas as crianças com um pequeno prato com duas fatias de pão com mel, sorrindo de satisfação perante a alegria deles. — Até o resmungão do vosso pai tem. — Ela apresentou a mesma iguaria ao homem, que pousou imediatamente o trabalho.
— Onde arranjaste isto? — Quis saber o esposo, por entre gulosas dentadas.
— Parece que finalmente, a colmeia que o nosso vizinho tantos se tem esforçado para recuperar, está a ter resultado. — Também Yara se deliciava com o petisco. — Finalmente as pequeninas abelhas se estão a adaptar à atmosfera e a produzir esta doçura.
— Porque é que agora não se festeja o Natal, mãe? E não se fala do rei Yeshua? — Miriam havia devorado a sua porção e estava pronta para mais perguntas.
— Os homens foram-se esquecendo destas histórias e preocuparam-se com outras coisas. — O rosto da mãe era triste. — Durante algum tempo, diziam até, que Yeshua era o culpado das coisas más que lhes aconteciam e que eram apenas consequências das ações deles. Mas isso não interessa agora, mas sim que devemos lembrar que todos os anos, neste dia, é como se Yeshua nascesse outra vez e os pecados dos homens são perdoados.
Como um raio, Miriam correu porta fora e perscrutou avidamente o céu, em busca da estrela brilhante que assinalaria o local onde nascia Yeshua. A abóboda celeste estava imperturbável, continuava coberta de pequenos pontos brilhantes onde, a espaços, um risco veloz aparecia e desaparecia. Sentindo-se um pouco desiludida, sentou-se na entrada da porta. Quem sabe, a estrela ainda apareça, para lhe indicar o caminho. Talvez estivesse, ainda escondida, por trás de uma das três enormes luas, quase alinhadas, que lhe iluminavam a noite.

Share:

1 comments:

Everson disse...

Olá, Manel, tudo bem?

Entao é pra quando o próximo livro?
Aquele abraco e tudo de bom para voce e os seus!

Everson

Receba as últimas novidades

Receba as novas publicações por correio eletrónico:

Número total de visualizações de páginas

Mensagens populares

Publicações aleatórias

Colaborações


Etiquetas

Contos (100) Marketing (57) Samizdat (56) Lançamentos (35) Contos Extensos (32) Contemporaneo (31) Eventos (30) Antologias (24) Autobiográfico (23) Poesia (23) religião (23) TDXisto (22) pobreza (22) roubo (22) Na Madrugada dos Tempos (21) Noticias (21) pre-historia (21) primitivo (21) sobrenatural (19) criminalidade (18) Crónicas (16) Sui Generis (16) homicidio (14) DAMarão (13) biblico (13) A Maldição dos Montenegro (12) Indigente (12) Recordações (12) sem-abrigo (12) separação (12) Pentautores (9) Suporte a criação (9) Século XIX (9) Uma Casa nas Ruas (9) genesis (9) publicações (9) Distinção (8) perda (8) solidão (8) Entrevistas (7) livros (7) terceira idade (7) Na Pele do Lobo (6) Rute (6) Terras de Xisto (6) Trás-os-montes (6) intolerancia (6) lobisomens (6) mosteiro (6) Apresentações (5) Papel D'Arroz (5) Revista (5) guerra (5) medo (5) morte (5) opressão (5) traição (5) Corrécio (4) Divulga Escritor (4) geriatria (4) sofrimento (4) vicio (4) LNRio (3) Portugal (3) Violência doméstica (3) dor (3) Carrazeda de Ansiães (2) Entre o Preto e o Branco (2) Ficção (2) Humor (2) Projetos (2) ambição (2) apocaliptico (2) cemiterio (2) culpa (2) futurista (2) isolamento (2) jogo (2) lendas (2) sonhos (2) Abuso sexual (1) Covid-19 (1) Extraterrestres (1) Minho Digital (1) Pandemia (1) Perversão (1) Viagens do tempo (1) abel e caim (1) bondade (1) desertificação (1) dificuldades (1) emigração (1) escultura (1) hospital (1) materialismo (1) mouras (1) natal (1) sorte (1) suspense (1) transfiguração (1)

Imprimir

Print Friendly and PDF