Este texto é uma obra de ficção. Embora possa incluir referências a eventos históricos e figuras reais, a história, os diálogos e as interpretações são fruto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, é mera coincidência.
- Linda...- O sussurro masculino, soprado ao seu ouvido, como uma brisa morna que lhe trouxe arrepios na espinha, quase a despertou completamente.
- Acorda, é tarde...- Novo sussurro daquela voz tão familiar trouxe-lhe tanto prazer e um calor no baixo-ventre que a mensagem transmitida foi completamente ignorada.
Deixou-se ficar encolhida a saborear mais uns
segundos de preguiça, no calor da cama, com os olhos fechados e um
sorriso nos lábios finos e claros.
O longo cabelo loiro espalhado na travesseira emoldurava-lhe a cabeça numa áurea de santidade revolta
e o corpo franzino sob os lençóis, o aspeto de uma criança
traquina.
Sentiu o suave toque dos lábios dele na face,
quase junto à vista direita, em conjunto com um suspiro do hálito
que tantas vezes sentira na sua boca.
Sempre de olhos fechados, uma lágrima teimosa
correu ao logo do seu nariz até pingar sobre o tecido da travesseira.
Suspirou um soluço e abriu um dos olhos, na
penumbra do quarto, para espreitar o relógio sobre a mesa de
cabeceira. Confirmava-se o aviso: Era realmente tarde.
Mas não desistia de se deixar sempre mais um
pouquinho no aconchego da cama esperando que viesse mais um carinho,
um sussurro ou um beijo… Que nunca vinha.
Outra lágrima correu.
Esticou um braço, preguiçosamente, e premiu o
botão do leitor de CD que iniciou a sua rotina interminável a tocar
a música ao som da qual se amaram tantas vezes.
Ia chegar tarde outra vez. Ia perder o emprego…
E estava tão cansada!.
Sentou-se indolentemente na borda da cama e, sem
se voltar, tateou a parte fria dos lençóis remexidos procurando
alguém que sabia que não estava lá.
Pousou a testa sobre o tampo da mesa de cabeceira
deixando-se envolver pelos acordes melodiosos antes de, como um
autómato, erguer-se e caminhar para a casa de banho calcando os
montes de roupa espalhados pelo chão.
Regressou alguns minutos depois praticamente
desperta, de olhos enegrecidos de noites mal dormidas e quedou-se
olhando a cama vazia de lençóis revoltos.
O quarto parecia um cenário de guerra. Roupas
espalhadas, o espelho da cómoda partido e restos de molduras e
fotografias por todo o lado.
Os seus ataques de fúria estavam a deixar muito
pouco para destruir e há muito tinha desistido de arrumar.
Tinha passado apenas um mês.
Há um mês que Eduardo, vitima de um estúpido
atropelamento, à porta de casa, tinha-a deixado para sempre. No
entanto…
Todas as manhãs, aquela voz, aquele beijo tão
familiar de milénios de manhãs consecutivas, vinha-a despertar
trazendo-lhe a sensação da sua presença, a noção do seu amor
imortal.
Claro que acontecia sempre naquele limiar entre o
sono e a realidade que antecedia o despertar completo e evaporava-se
como fumo em poucos segundos.
Mas, parecia-lhe, ficava no ar o cheiro da sua
presença e a sensação do beijo a queimar-lhe no rosto pelo resto
do dia.
E assim levava os seus dias. Enlevada por aquela
promessa matinal do amor que não vinha e as noites agitadas,
aguardando uma vez mais a doce voz que a chamava e o beijo que a
despertava.
Regressou para a cama, cobriu-se e encolheu-se em
posição fetal…
Não iria mais trabalhar, não queria saber de
emprego nem de mais nada.
Ficaria ali deitada à espera de Eduardo.
À espera que aquela presença incorpórea
regresse, à espera que passe rapidamente o dia e retorne a
madrugada, à espera de mais do que um beijo, à espera que seja mais
do que invisível… ou que a leve.
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