quinta-feira, 24 de agosto de 2017

No dia em que te foste...


José Mendonça
1932 - 2017



No dia em que te foste, como um alucinado, corri quilómetros para ver com os meus olhos, aquilo que não acreditava.
No dia em que te foste, atravessei este país, que tanto amavas, para te ver e despedir-me uma última vez. Cruzei distâncias imensas de matas queimadas, como se o mundo se tivesse tornado um gigantesco cemitério de árvores negras. Ainda bem que já não o viste, para que não se enegrecesse também o teu coração.
No dia em que te foste, a raiva ferveu em meu peito e as lágrimas explodiram em meus olhos. Não saíam as palavras que eu queria e o amor dos que te queriam sufocava-me e doía-me... porque te foste e nos deixaste.
No dia em que te foste, o sol brilhava com força sobre as tuas saudosas planícies alentejanas e os pássaros chilreavam alegremente nas copas das das azinheiras. Saberiam eles que nos deixaste? Saberiam os pássaros e o sol, que te foste desta vida de sofrimento? Não deveria o sol fazer luto e os pássaros silêncio?
No dia em que te foste, visitei mentalmente todos os locais que amavas e contigo recordei as verdes vinhas do Douro, as abrasadoras planuras do Alentejo e os lânguidos braços da ria de Aveiro e senti que agora estavas livre. A tua alma forte e indómita, estava finalmente despojada do involucro, que te serviu bem por muitos anos, mas agora gasto e doente. Grande como o mundo, tua alma se expandiu sobre tudo o que amavas, para derramar bocadinhos do teu ser.

No dia em que te foste, vi no teu rosto sereno, que partiste em paz e não havia mágoa nem dor em teu coração, apenas a certeza que caminhaste para algo superior a todos nós, onde não há lugar para esses sentimentos.

No dia em que te foste, o tudo parecia igual ao dia anterior... mas tão pobre que ficou o meu mundo...
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4 comments:

Suzete Fraga disse...

Sem palavras... Tão rico e sentido que toca a alma. Uma mistura de sentimentos que traduz na perfeição a saudade e o vazio que ficou. Pura poesia! Solidária neste momento de pesar, espero que a escrita e os amigos tragam o conforto necessário para que,com o tempo, a dor vá desaparecendo.
P. S. Eu ficaria radiante, estivesse onde estivesse, se este texto me fosse dedicado a mim. São desabafos de um amor tão grande...

Antonio Carlos; ou ACAS disse...

Caro escritor, bom dia!
Escreo-te desde SãoPaulo, Brasil, nesse nosso final de inverno e início de primavera.
Li seu texto no site do Henrique (Memórias e outras coisas", onde comecei a publicar alguns textos meus; gostaria que os lesse!
Gostei muito de seu estilo e, ainda que algumas palavras me soassem desconhecidas, não perdi o filão da narrativa e adorei o seu conto, versão um tanto diferente do Caieiros (Pessoa) no "Guardador de Rebanhos".

Gostei também de sua homenagem ao seu pai. Lembre-me muito do meu próprio pai, que morreu aos 54 anos de idade e, se estivesse vivo, teria completado nada mais, nada menos, que 108 anos de idade. Eu tinha 17 anos, quando Deus veio buscá-lo! Ainda sinto saudades, especialmente porque nosso diálogo não era muito animado e eu gostaria de corrigir isso!

Um abraço; nos vemos no site do Henrique!

M.L.M disse...


GOSTEI MUITO MEU FILHO DAS PALAVRAS QUE ESCREVESTE PARA O PAI TUDO ELE MERECE POIS FOI UM
HOMEM UM BOM E JUSTO HOMEM E QUE NOS LEVOU A TODOS NO CORAÇÃO PORQUE ERA PARA A FAMÍLIA QUE ELE VIVIA.

E COMO DIZES A TODOS NOS DEIXOU ÓRFÃOS. OBRIGADA AMOR POR TERES NASCIDO E SERES COMO ERAS JAMAIS SERÁS ESQUECIDO.

M.L.M disse...

Este texto foi escrito pelo meu filho Manuel Amaro, um texto muito sentido e sincero pois outra coisa não era de esperar dum filho que ama o PAI de verdade e eu sei que ele sabe que também era muito amado e tens razão quando dizes que com a sua partida nos deixou a todos órfãos, obrigada meu filho por seres como és.


Maria Luísa Mendonça.

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