Este texto é uma obra de ficção. Embora possa incluir referências a eventos históricos e figuras reais, a história, os diálogos e as interpretações são fruto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, é mera coincidência.
Entrou cambaleante na casa de
banho da discoteca e o cheiro intenso a urina e vómito atingiu-o com força.
Apoiou-se na laje
molhada semeada de bocados de papel que servia de lavatório e enfrentou aquele
rosto sério que o olhava todos os dias. O cabelo raiado de fios brancos estava
molhado de chuva e de transpiração. Olheiras negras acentuavam-lhe a vista
cansada.
As pernas
tremiam-lhe, estava e sentia-se um trapo. Além de ligeiramente bêbado… ou
completamente.
Já há muito tempo
não bebia assim e a capacidade para dominar os efeitos da bebida há muito que
vinha a reduzir.
Fez um trejeito de
desprezo para ele próprio enquanto a cabeça oscilava ligeiramente num
desequilíbrio mais ou menos controlado:
-
Na
mesma noite desrespeitaste três das tuas regras essenciais. – A voz rouca e
entaramelada sentenciou para o espelho enquanto erguia uma das mãos e contava
pelos dedos – Bebeste de mais, fizeste sexo com uma desconhecida e essa
desconhecida tinha quase idade para ser tua filha. Estás a ficar velho, a perder
qualidades e o respeito pela tua própria forma de vida!
Inclinou-se e
passou água no rosto por várias vezes. Limpou-se e atirou com os papéis para o
lavatório.
Endireitou-se
mirando-se numa caricatura de pose altiva sentenciando:
-
Quem
te viu e quem te vê!
Trôpego, abandonou
a divisão apalpando as chaves do carro no bolso do casaco molhado e dirigiu-se
para a saída do edifício.
À porta foi
abordado por uma jovem magra, molhada como ele, que tremia de frio e excitação
com os braços envolvidos no corpo numa tentativa de se aquecer. O cabelo que de
tão loiro era quase branco, escorria sobre a cabeça e pingava copiosamente
sobre os ombros. Os olhos de um azul celeste olhavam-no com receio e admiração
enquanto se lamentava:
-
Fechaste
o carro enquanto fui fazer xixi e molhei-me toda quando regressei para dar com
o nariz na porta.
Ele olhou-a como
se fosse a primeira vez que a via, passou a mão pelo rosto e esfregou os olhos
com força.
-
Estás
bem? - Ela insistiu tentando espreitar por entre os dedos dele e soltando um
risinho acriançado – Bebeste um bocadinho de mais não foi?
Simão, oscilante,
olhou-a e devolveu-lhe um sorriso triste e cansado:
-
É,
miúda, bebi um bocadinho demais. Foi isso. Agora vou-me embora.
-
Há
pouco não me chamavas miúda. – Provocou a jovem em tom irritado.
-
Tens
razão, há pouco não. Só que há pouco eu era um pouco mais cretino do que sou
agora. Desculpa-me – Passou-lhe a mão pelo rosto numa carícia antes de se
afastar em passos largos para a saída.
Desconcertada,
deixou-se ficar um pouco a olha-lo saindo calmamente, mas com pouca confiança:
-
Já
tens o que querias não é, filho da puta? – Explodiu ao mesmo tempo que as
lágrimas irrompiam dos olhos claros. – Também não vales nada, não passas de um
velho caquético e baboso. Nem conseguiste dar a segunda!
Correu para a casa
de banho, furiosa, soltando uivos de indignação e deixando boquiabertos aqueles
com quem se cruzou.
Ele não escutou,
ou ignorou-a e saiu para a chuva forte não se preocupando sequer em acelerar o
passo. As gotas que lhe castigavam o rosto eram bem vindas e já nem sentia a
roupa encharcada.
Abriu a porta do
BMW cinzento metalizado com alguns anos e atirou-se para o assento do condutor.
Pousou a cabeça no volante tentando recompor-se.
Tinha saído com
alguns colegas de trabalho para jantar e festejar o aniversário de um deles, no
fim, com outros três, decidiu terminar a noite numa discoteca e assim fizeram.
Com o passar das horas e o consumo de álcool em crescendo, um a um foram-se
indo embora restando apenas ele.
Quando estava
quase para desistir também, reparou na miúda loira (não deveria ter mais de 18
anos... se os tivesse) que o olhava com insistência.
Não era muito
bonita mas debaixo da intoxicação alcoólica os seus “instintos de macho
caçador” foram ativados e num instante estavam a dançar na pista... tinha noção
que poderia ter exagerado um pouco nos seus movimentos mas o que é certo é que
pouco depois estavam aos beijos dentro do seu carro.
O sexo foi
atrapalhado e louco como se lembrava ter sido noutras ocasiões semelhantes há mais
anos do que gostava de reconhecer. Mas uma vez mais provou a si próprio que, ao
contrario do que se diz, o álcool não tira a ereção... pelo menos não
completamente. Enfim, não foi nenhum Kama Sutra, para ele chegava, se ela
queria mais, temos pena. Talvez outro dia.
Agora, porém,
sentia-se um pouco mais afetado pela bebida. Meteu a chave na ignição
inclinando a cabeça por baixo do volante e viu um dos lenços de papel
utilizados no chão. Com uma expressão de repulsa pegou-lhe com a ponta dos
dedos e atirou-o pela janela.
Nesse preciso
momento uma mão enorme entrou pela janela aberta, agarrou-o pelo cabelo curto e
tentou puxa-lo pela abertura. Graças ao facto do cabelo ser curto conseguiu
libertar-se para olhar, incrédulo para um homem baixo de olhar feroz que
gritava algo e tentava agarra-lo novamente. Por trás dele, a miúda de há pouco
exibia um ar de triunfo.
-
Mas
que queres? Que é que te deu? - O assustado Simão afastava-se o mais que podia
da mão sapuda que por sorte pertencia a um braço curto.
-
Vou
partir-te as putas das ventas, filho da puta. Meteste-te com a minha irmã? -
Gritava o energúmeno. - Sabes que é uma menor? Cabrão!
-
Eu?!?
Ela é que se meteu comigo. - Enquanto isso conseguiu fechar o vidro e a mão
precipitou-se rapidamente para o exterior para não ser trilhada.
Uma sequência de
pontapés na porta e muros no vidro acompanhados de insultos foi a resposta do
indivíduo.
Tremendo,
debaixo da agressão teimosa que o veículo recebia, conseguiu por o motor a
trabalhar e tentou abandonar o parque quase passando por cima agressor. A chuva
no para brisas, a luz dos faróis e o chão molhado tornavam a tarefa de conduzir
embriagado quase impossível.
Ao
contornar a primeira fila de carros estacionados, o indivíduo, qual búfalo,
saiu bufando do meio das viaturas e atirou-se sobre o capô. O aterrorizado
condutor guinou algumas vezes atirando-o ao chão e acelerou.
-
Mas
que sorte da merda. - Simão estava agora mais consciente, afastada a embriagues
com o pavor que sentia – A cabra da gaja tinha que ter um filho da puta de um
touro por irmão.
No
inicio da nova fila de carros, uma vez mais a sua némesis surge à frente do
veículo. Agora armado com um guarda chuva que atirou contra o para brisas ao
saltar para o lado para evitar ser colhido.
-
Valha-me
Deus! No que eu me meti. - Gemeu contemplando a racha no para brisas – Minha
Nossa Senhora de Fátima! Se me livro desta não quero saber mais de gaja
nenhuma. Só vou ter olhos para a minha mulher. Vou ser um modelo de virtude!
Já
na chegada à cancela de saída do parque (que por acaso estava aberta) passou
como um foguete para a estrada sem cuidados com o transito e ainda a tempo de
perceber o vingativo individuo a sair do meio das viaturas estacionadas quase a
apanha-lo outra vez.
Por
sorte não havia veículos na estrada àquela hora tardia e conseguiu com alguma
dificuldade e manobras perigosas a chiar os pneus estabilizar o automóvel para
circular na faixa de rodagem certa.
-
Fonix!
- Gemeu – O que me havia de calhar no “fim da festa”. Os olhos seguiam
constantemente para o retrovisor com medo de divisar alguém a segui-lo. -
Parecia o puto do Rocky. Cabrão!
Ainda com as mãos
e as pernas a tremer, a velocidade a que se afastava do local fazia-o
gradualmente sentir-se mais seguro.
Escapara
de uma situação perigosa apenas com um para brisas estalado e algumas
amassadelas na chapa. Muita sorte.
-
Só
vou ter olhos para a minha mulher... - Reiterou – Modelo de virtude...
Segurava
o volante com força reduzindo, mas não parando, nos semáforos vermelhos
enquanto pensava na sua promessa.
-
Não
posso começar já... amanhã é dia de estar com a doce Eduarda.
0 comments:
Enviar um comentário