quinta-feira, 23 de maio de 2024

Lançamento "Depois das Velas se Apagarem"


 

Ao longo dos últimos anos, fruto das participações em antologias e das publicações em sítios da “internet” e no meu próprio blogue, escrevi uma abundante quantidade de contos, que periodicamente organizo e publico em livro.

Por esta razão, “Depois das Velas se Apagarem” é um livro composto por uma compilação desses contos, nunca publicados em livros exclusivamente meus e orientados para um tema. O primeiro conto, “Na Pele do Lobo” foi parcialmente publicado eletronicamente, em episódios, mas a história é consideravelmente maior e poderá aqui usufruir da sua totalidade.

Apesar do título, algo tétrico, não se trata de um livro de terror, mas sim da luz, ou da ausência dela e, ao longo das suas mais de trezentas páginas, os assuntos abordados são os mais diversos que possam imaginar.

“Depois das Velas se Apagarem”, entramos no mundo da escuridão, ou daquilo que não é visível com a luz.

Se “Na Pele do Lobo” a componente sobrenatural é visível na forma de uma terrível epidemia que grassa em volta de um remoto mosteiro do século XIII, outros há como, “Por Acidente”, no qual a escuridão paira nos nossos dias, no comportamento insano movido pelo ciúme. Também há espaço para outros, como “Candy” que traz à luz uma presença doce, mas que não é deste mundo, ou como “Para um Bem Maior” ou “A Promessa” onde, uma abordagem bem disposta, se confunde a falta de sorte com a subtil mão do sobrenatural.


Por Um Bem Maior

O que é importante frisar aqui é que a escuridão pode estar no sobrenatural, mas também na alma humana, individualmente, como em “Brindemos a Laurinda” ou “Água e Sangue” ou coletivamente, quando são as luzes da civilização que se apagam, como em “Desolação” ou “Na Margem do Lago”.

É por esta razão que nem toda a maldade é sobrenatural.

Acompanhe-me nesta história e venha conhecer personagens mágicos e fascinantes, como “Lavínia”, almas errantes como em “Expiação” e em “Inquietação” ou mesmo uma velha lenda trazida à luz, como em “A Moura do Castelejo”.


A Moura do Castelejo


Não podemos, porém, esquecer a construção de uma lenda; “Alva, a Bela”, passada durante a ocupação romana da península ibérica e mais especificamente de trás-os-montes, tem todos os ingredientes para ser uma história contada por gerações no desfiar dos anos. Em pleno ruir do império, as invasões bárbaras e o seu impacto no quotidiano de uma villa romana, são o pano de fundo para o aparecimento de um personagem cuja simples presença irá moldar para sempre as vidas e a consciência daquelas pessoas e das gerações futuras.

Espero que gostem tanto como eu desta minha nova obra e apreciem cada uma das histórias e dos seus personagens. Sintam-se parte dos mundos que criei e vivam os ambientes descritos e abram bem os olhos para ver o que há “Depois das Velas se Apagarem”.

Obrigado pela vossa leitura e preferência.

Saber mais ou encomendar “Depois das Velas se Apagarem”

 As encomendas podem também ser feitas por e-mail (manuel.amaro@debaixodsceus.pt) ou pelas redes sociais do Facebook ou Instagram. O importante é ler. 


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domingo, 19 de maio de 2024

Sabotagem no Paraíso - Primeira parte – Como tudo começou

Este texto é uma obra de ficção. Embora possa incluir referências a eventos históricos e figuras reais, a história, os diálogos e as interpretações são fruto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, é mera coincidência.



 Disse mais Deus: Façamos um homem, um ser semelhante a nós, e que domine sobre todas as formas de vida na terra, nos ares e nas águas.

Deus criou então o homem semelhante ao seu Criador; assim Deus criou o homem. Homem e mulher - foi assim que os fez.

 

Versículos 26 e 27 do livro do Génesis

 

    

No princípio dos tempos, homens selvagens, demónios, gigantes, centauros, faunos, ogres e outras criaturas incríveis estavam por toda a parte e espalhavam o mal e a violência. Desde a guerra no Céu, chefiada por Lúcifer, “O Portador de Luz”, tudo era caos. Miguel, “Aquele que é como Deus”, chefiou a repressão e pôs os revoltosos em fuga.

Acontecera no fim da Criação da Terra, que o Criador tecera com finas Palavras, pois Ele próprio era O Verbo, que dera início ao universo. Com a ajuda dos anjos, poderosos espíritos, criou cada um dos seus elementos e deu-lhes cor, movimento e vida. Serafins rodeavam-nO e ecoavam as Sua Palavras aumentando a sua força, enquanto Querubins registavam nos arquivos do céu as informações de cada criação e Potestades[1] modelavam e acarinhavam as obras de arte produzidas.

À medida que iam sendo criadas as florestas, os rios e os oceanos, alguns Potestades apaixonavam-se pelo seu próprio trabalho e assumiam a vida e a proteção dele. A dissensão surgiu com o aprimorar das criaturas; a última delas, o Homem, seria feito à Sua Imagem e não teria um espírito protetor específico, mas seriam, sim, servidos por toda a classe angelical.

As primeiras experiências mostraram logo a capacidade destrutiva da criatura; derrubava árvores, represava rios e matava animais, em grande número, para alimentar a sua comunidade crescente. Para o Criador perceber o seu erro, alguns anjos, sub-repticiamente, ensinavam técnicas aos humanos, como o domínio do fogo, que os tornava ainda mais destruidores.

Imediatamente os espíritos protetores dos elementos, protestaram pela destruição causada no seu reino, pedindo a extinção das criaturas. O mesmo pediam aqueles que sentiam o seu orgulho ferido por terem de servir uma criatura inferior, muitos outros achavam que o rumo que seguia a Criação, permitir um ser mais inteligente que os restantes e sem qualquer limitação, era errado. O Criador não os escutava, pois só Ele sabia o Seu propósito e com Ele estavam a maioria dos anjos. Daí até lutarem pela supremacia foi apenas um instante.

Derrotados, Lúcifer e grande parte dos seus seguidores abandonaram os céus. Alguns dos que se revoltaram quase igualavam o poder do Criador, eram espíritos do Princípio, quando a Primeira Palavra foi proferida, rasgando o caos do universo e refugiaram-se na Terra onde, com Palavras imperfeitas ou mal executadas, geraram criaturas absurdas ou quase humanos que deixaram depois à sua sorte.  As únicas características em comum nesta criação, eram a maldade que lhes habitava no coração e a vontade de exterminar o próximo. Os revoltosos apresentavam-se a essas criaturas como deuses e eram adorados como tal.

O Criador, decidindo precisar fazer algo diferente, pronunciou as Palavras que criaram uma floresta, a que chamou jardim do Éden. Pensou então que tinha de escondê-lo das vistas invejosas dos outros deuses e dos outros seres que habitavam o mundo. Recitou as palavras de ocultação para o jardim ficar invisível aos olhos de todos e assim poder continuar a sua obra.

Criou o Homem e a Mulher, como todos as outras criaturas, com Palavras que uniram terra, fogo, ar e água. Chamou-lhes Adam e Lilian e começou a ensiná-los segundo as regras com que desejava que vivessem; assim que se desenvolvessem o suficiente, dar-lhes-ia a Terra como herança. Arranjaria depois maneira de a expurgar das monstruosidades que a conspurcavam na altura.

Os outros deuses sabiam que algo se passava e tentavam, em vão, perceber o que andava a fazer o Criador e onde estava escondido o seu trabalho. Até os anjos, criaturas invejosas e traiçoeiras, andavam inquietos, em volta Dele tentando descobrir.

Nenhum dos deuses se recordava já quando os anjos foram criados, sabiam apenas que eram quase tão antigos como eles. Apesar de maioritariamente, havia alguns que primavam pela rebeldia e por vezes, essa rebeldia tocava a raia da sedição. Se haviam sido ajudantes incansáveis durante a construção do universo e eram guardiões fervorosos de tudo o que fora criado, por vezes, parecia terem ideias muito próprias do rumo que a criação deveria tomar. Abominavam a desordem causada pelas criações insanas dos deuses e agiam muitas vezes como um contrapoder, nas sombras, sabotando o seu trabalho.

Samael, um dos arcanjos, descobriu o esconderijo e infiltrou-se sub-repticiamente no jardim do Éden. O seu objetivo era matar as criaturas que o Criador tanto escondia e que pretendia que os anjos os servissem; eles, imediatamente abaixo dos deuses, teriam de servir crianças, mortais e patéticas.

Porque é que não se limitava a criar leões, elefantes ou águias, cujas máximas ambições eram dominar uma pequena área e subjugar os seus iguais nesse espaço, durante uma curta vida? Os humanos eram perigosos, principalmente, porque, apesar de mortais, eram demasiado parecidos com os próprios anjos.

Envolvido nestes pensamentos, o arcanjo vagueou, na sua forma etérea, pela floresta e sobre os rios que atravessavam o jardim e verificou que, nem nas árvores, nas plantas, ou mesmo nas águas, se sentia a presença dos deuses, ou das Potestades que as criaram e que normalmente as protegiam. O que havia aqui era uma criação de raiz, independente de tudo o existira até àquele momento. O Criador fizera-o sem ajuda e sem invocar os espíritos, no entanto… mesmo sem eles, tudo estava imbuído de vida, equilibrada, interdependente, quase perfeita.

Foi então que ele a viu: completamente despida, colhia amoras de um arbusto. Longos cabelos cor de fogo que desciam até ao fundo das costas, seios roliços e firmes, coxas bem torneadas, assim era a mulher que estava perante ele. O nome Lilian[2] acudiu-lhe à mente. Era então aquela uma das odiadas criaturas, que ele tinha de exterminar antes que se tornasse demasiado perigosa.

Samael materializou-se frente a ela, sob uma forma humilde, de humano, envergando uma túnica azul-claro e sandálias de couro.

Embora surpreendida, pelo súbito aparecimento do estranho, ela aproximou-se, pois não conhecia o medo.

O anjo, embora determinado a executar a sua missão, não teve ainda a coragem de materializar a sua espada flamejante para tirar aquela vida inocente, apesar de já o ter feito milhares de vezes às ordens do Criador. A criatura era demasiado perfeita e virginal. Samael, o “Veneno de Deus” sentiu-se fraquejar.

Lilian, que nunca havia conhecido mais ninguém além de Adam e do Pai de ambos, tinha muitas perguntas para lhe fazer.

Samael deu por si sentado ao pé dela a responder às perguntas e cada vez mais angustiado. Ficou a saber que ela ainda não percebera que era prisioneira numa gaiola dourada, mas, ao contrário de Adam, aborrecia-se sem nada para fazer.

O anjo sentia imensa dificuldade em olhá-la nos olhos, sem sentir um desejo imenso a apoderar-se dele. Aquela era, com toda a certeza, uma armadilha do Criador; fazer com que se apaixonassem pela sua criação. Fortemente perturbado, ergueu-se, sussurrou um encantamento e surgiram-lhe umas espantosas asas nas costas. Levantou voo num silvo, deixando uma pena a esvoaçar.



[1] São aqui referidas várias classes de anjos superiores e que estão mais próximos de Deus.

[2] Nas referências à Primeira Mulher dos escritos que consultei, o nome Lilith era sempre o utilizado. A minha relutância em seguir este caminho é o facto de este nome nada ter de hebraico, ao contrário de Adão e Eva (nas suas traduções ocidentais). Nesta adaptação livre da história do primeiro homem e da primeira mulher, resolvi que seria mais adequado Lilian e que Lilith surgiria mais tarde.

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