quinta-feira, 29 de agosto de 2024

A Maldição de Calígula

Este texto é uma obra de ficção. Embora possa incluir referências a eventos históricos e figuras reais, a história, os diálogos e as interpretações são fruto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, é mera coincidência.



Caio Júlio César Augusto Germânico, ou Caio César, ficaria conhecido na história como Calígula, que significa "botinhas", como lhe chamavam os legionários comandados por seu pai, quando criança e usava as cáligas (sandálias militares) nos pés.

Estava-se em 32 D.C. e Calígula, ou Caio César, como era chamado, encontrava-se com o seu tio-avô, o imperador Tibério, voluntariamente exilado na ilha de Capri.

Nos últimos anos, após a morte do filho, Druso, O Jovem, Tibério mudara-se para a ilha de Capri e desinteressara-se completamente da política, entregando-se a atos de sadomasoquismo, pedofilia e outras perversões sexuais. A governação do império ficou praticamente entregue a Lúcio Élio Sejano, que governou aumentando o seu pecúlio e o dos seus próximos, enquanto foi fazendo desaparecer a maioria dos opositores.

Apesar de ser o herdeiro de Tibério, Calígula sabia estar completamente dependente dos caprichos do soberano; como a sua mãe e os seus irmãos, a qualquer momento poderia sofrer um trágico acidente que lhe tirasse a vida.

Foi neste ambiente que ele foi abordado por uma bela e escultural mulher, a rondar os trinta anos, de longos cabelos vermelhos e olhos verdes, que disse chamar-se Dinah e ser da Judeia. Ele reconheceu-a como uma das muitas meretrizes que frequentavam as orgias de Tibério.

Ela mostrou-lhe uma caixa de madeira trabalhada, aparentando ser muito antiga. Dentro, residiam duas soberbas estatuetas em madeira, esculpidas na perfeição; representavam um demónio masculino e outro feminino. Explicou-lhe que aquele objeto tem passado pelas mãos dos homens mais importantes de Roma e o seu poder pode fazer dele o próximo imperador.

Calígula, suspeitando que estava perante uma armadilha de Tibério, ou de alguém para o fazer cair em desgraça perante ele, disse-lhe que se fosse embora, ou mandaria chicoteá-la. A mulher respondeu-lhe que não temia as ameaças dele, pois o poder das divindades que adorava, era muito superior ao dele ou do governante mais poderoso dos Homens.

Ela explicou-lhe que pertencia a uma irmandade que fizera aquela caixa há muitas gerações, para adorar a Primeira Mulher, Lilith, ali representada com o seu filho e amante Asmodeus. As preces feitas às duas divindades são ouvidas e cumprem-se na maioria das vezes.

Como nunca ouvira falar daqueles deuses, tentou despedi-la novamente, mas a mulher insistiu; “Júlio Cesar recebeu-a e desprezou-a; foi assassinado pouco depois. O grande Augusto herdou-a e utilizou-a para se livrar de Brutus e de Marco António e Cleópatra.”




O futuro imperador olhou-a de alto a baixo e Dinah, percebendo que conseguira a sua atenção, continuou: “Até Tibério a utilizou para afastar os outros herdeiros de Augusto…, mas quer destruí-la e isso irá levá-lo à ruína. A minha missão é arranjar um novo dono, para que isso não aconteça.”

O silêncio de Calígula encorajou-a a prosseguir e ela explicou que aquele objeto era um Altar de Orações e podia pedir-se-lhe o que quiséssemos para vingar os agravos que nos houvessem feito. Para isso bastava escrever num papiro o nome de quem queremos atingir e guardá-lo na caixa. Em pouco tempo, a vida dessa pessoa começará a sofrer os efeitos.

 — Se era Tibério que estava de posse disto, por que está contigo agora? — Interrogou ele, com um olhar conhecedor.

— Fui eu quem lha entregou há alguns anos para o ajudar a tornar-se César. — Ela baixou os olhos. — Ele obteve o que queria, mas não cumpriu a sua promessa. Por fim, sabe que está a ser castigado e quer destruir o altar. Eu sabia onde estava. Fui buscá-lo. Serás o novo dono e o novo César.

— Que tenho de fazer? — Perguntou Calígula ao fim de alguma hesitação.

— Para já, aceitar o altar nas tuas mãos — Dinah pousou o objeto nas dele — e prometer que, uma vez César, tudo farás para aumentar o número dos fiéis do culto a Lilith. Darás privilégios e erguerás um santuário a ela. Se o não fizeres, o teu fim estará próximo.

— Aceito. — Confirmou ele gravemente.

— Agora, escreves num pergaminho o nome da pessoa que queres atingir e o que queres que aconteça. — Enquanto falava, ela retomou o altar e abriu-o sobre uma pequena mesa de apoio aos escribas, expondo as duas imagens. — Depois colocas dentro da caixa e fechas novamente, enquanto recitas: “Lilith, mãe de todos os homens, Primeira Mulher, que caminhas pelos caminhos da noite e pelos abismos desconhecidos desde os primeiros dias do mundo. Ofereço a minha vontade, em troca da tua força. Concede-me o que desejo, e serei teu servo fiel, até o último suspiro. Que a tua sabedoria escura ilumine o meu caminho e que a tua sombra envolva os meus inimigos. Pelo pacto que selamos, eu entrego o meu destino a ti. Que assim seja, nas profundezas e além.

O futuro imperador de Roma ajoelhou ao lado da mesa enquanto repetia a oração que Dinah ensinava. Assim que terminou, pegou num dos rolos de pergaminho que se encontravam na mesa e começou a escrever a maldição pretendida que atingisse o seu tio-avô. Escreveu o nome de Tibério em letras maiúsculas, de forma bem clara e terminou expondo a sua pretensão de ser imperador.

— Eu sou Dinah Lua de Prata, sacerdotisa da Estrela da Manhã e sou tua testemunha. — A mulher ergueu as mãos aos céus. — Escuta-me Lilith, mãe das bruxas, esposa de Samael, mãe e amante de Asmodeus, recebe este teu filho e faz aliança com ele. Amen!

Calígula ergueu-se e pegou cuidadosamente no altar com uma mão, mantendo a carta na outra: — Eu guardarei isto da minha mão. Apenas eu saberei onde se encontra.

— A forma como usares, ou tratares este altar, — avisou a sacerdotisa —, ditará o sucesso ou desastre dos teus planos… ou da tua vida.

Ele suspirou e deitou um último olhar à carta que ditaria o seu destino e o do carrasco da sua família, que ficaria encerrada naquela caixa, à vontade das forças do mal. Fechou as tampas decididamente, com o som do martelo do juiz após proferir a sentença.

O futuro imperador Calígula não sabia, mas, cometera um erro mortal. Assinara o seu nome no texto da maldição que seria executada por um demónio.



Suporte para esta publicação:
Imagens obtidas por IA https://designer.microsoft.com/


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sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Sabotagem no Paraíso - Terceira parte - A Investigação

Este texto é uma obra de ficção. Embora possa incluir referências a eventos históricos e figuras reais, a história, os diálogos e as interpretações são fruto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, é mera coincidência.

 



 

O Criador ficou profundamente magoado com o que aconteceu. Perguntou a Adam se ele sabia com quem Lilian se encontrara e com quem criara aquela insatisfação e descontentamento. O inocente homem desconhecia completamente as respostas àquelas perguntas, ficando inclusivamente surpreendido com a constatação que havia mais gente além do casal primevo e do Pai.

O projeto do Criador estava comprometido, sem a presença da mulher…. Ela era parte essencial na Sua recomendação “Crescei e multiplicai-vos.” Retirou-se deixando o homem/criança entregue a si próprio, sozinho no paraíso.

Como Criador e Omnipotente, não podia deixar as coisas como estavam; invocou três anjos para procurar a fugitiva e a trouxessem a todo o custo. Se ela não obedecesse, estaria sujeita a ser morta ou a uma maldição eterna, assumindo que uma criatura ignorante do mundo e praticamente acabada de nascer, saberia o significado disso.

Durante meses, os emissários percorreram as aldeias miseráveis e as grutas do deserto em busca de Lilian ou de informações do seu paradeiro.

No Céu, Rafael moveu uma subtil investigação para saber quem estaria por trás de um ato tão sedicioso. A comunidade angelical estava dividida; ninguém estava ao corrente do que se passava, mas mesmo assim, muitos respondiam às perguntas com evasivas para confundir o investigador.

Miguel foi pessoalmente à presença de Lúcifer para o questionar em Nome do Criador. O rei dos deuses e demónios da Terra respondeu ao vago interrogatório escarnecendo da autoridade e poder do Criador. Mostrou-se interessado e questionou o mensageiro sobre o projeto sigiloso, sem, no entanto, obter nada de compreensível sobre o que era e o que acontecera. Quando foi confrontado com uma pergunta direta, não podia mentir, pois continuava uma entidade angelical, apesar do seu estatuto de demónio; respondeu que, fosse lá o que tivesse acontecido, se fosse obra dele, não haveria nenhuma dúvida. Não era seu costume esconder a mão após atirar uma pedra.

O projeto conseguira manter-se em segredo durante tanto tempo, principalmente porque poucos sabiam que existia, embora alguns desconfiassem. A partir daquela altura, a dúvida estava dissipada; havia mesmo um novo projeto entre as Mãos do Criador! Interesses punham-se em movimento, uns a favor e outros contra.

Sanvi, Sansavi e Samangelaf, assim se chamavam os perseguidores de Lilian, localizaram-na finalmente numa gruta da remota Terra de Nod, longe de tudo. Os três apresentaram-se na sua forma humana, envergando simples túnicas e sandálias: o objetivo não era assustá-la, mas convencê-la a voltar.

Ela recebeu-os com frieza e desinteresse, sentada numa pedra e amamentando um menino com poucos dias. Não mostrou medo nem respeito pelos emissários, senão quando um deles perguntou quem era o pai da criança.

A mulher recusou-se a responder a todas as perguntas, embora os interrogadores e o próprio Criador não tivessem dúvidas de que um, ou mais anjos, estavam por trás da conspiração que redundara na fuga dela.

Os anjos ficaram nervosos com a determinação da criatura e a capacidade de recusar a responder, mesmo às perguntas diretas, ao contrário das entidades angelicais. Aqueles seres eram realmente muito mais independentes do que eles e, portanto, mais perigosos.

Era hora de passar a uma atitude mais determinada e os três anjos, falando em uníssono, para se tornarem ainda mais solenes e ameaçadores, ordenaram à criatura fugitiva que regressasse ao Seio do Pai. Seria perdoada e tudo voltaria a ser como dantes, teria apenas de revelar quem eram os conspiradores, ou, pelo menos, quem era o pai da criança.

Ela baixou a cabeça e acenou negativamente, abraçando o seu filho.

Um dos anjos insistiu, que, pelo menos tornasse ao Jardim e implorasse o perdão do Pai, tinham ordens para não regressarem sem ela. Estavam autorizados até a tirar-lhe a vida ali mesmo e levar o corpo.

Lilian mostrou-se irredutível e, no momento seguinte, sem sequer se levantar do lugar, gritou-lhes que se fossem embora, pois ela nunca regressaria… a criança começou a chorar.

Vendo que havia necessidade de “grandes remédios”, o trio transformou-se; a sua essência angelical emergiu e eles cresceram até perto de três metros de altura, descomunais asas nasceram-lhes nas costas e todo o corpo resplandecia como metal em brasa. Novamente em uníssono instaram a que Lilian regressasse sob pena de ser amaldiçoada em Nome do Criador.

Ela voltou a gritar-lhes, por entre o choro da criança, que se fossem embora e a deixassem em paz.

As três terríveis vozes anunciaram então que, em virtude da sua desobediência, estava amaldiçoada em Nome de Deus até ao fim dos seus dias. Teria muitos filhos, mas quase nenhum vingaria; as doenças e a violência levariam quase todos. Ela teria uma vida longa, mas a maioria dela, seria passada a chorar a morte das crias. Terminaram com as palavras que selavam a maldição e que ecoaram no teto da gruta e fizeram tremer o chão como trovões.

Em seguida, como se fossem um só, voltaram-se e caminharam para a saída, ignorando as pedras que Lilian lhes arremessava, lavada em lágrimas.

Quando Samael e mais dois anjos se materializaram à frente dela, haviam-se passado muitas horas que chorava de joelhos no chão, ainda abraçada ao filho.

O anjo abraçou-a ternamente e sussurrou-lhe ao ouvido: “Acalma-te, estamos aqui para te ajudar. Não sabia onde estavas e a única forma de o saber, era seguindo aqueles três. Agora que estou aqui a teu lado, não deixarei que te aconteça nada de mal.”

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