Este texto é uma obra de ficção. Embora possa incluir referências a eventos históricos e figuras reais, a história, os diálogos e as interpretações são fruto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, é mera coincidência.
Caio Júlio César Augusto Germânico, ou Caio César, ficaria conhecido na história como Calígula, que significa "botinhas", como lhe chamavam os legionários comandados por seu pai, quando criança e usava as cáligas (sandálias militares) nos pés.
Estava-se em 32 D.C. e Calígula, ou Caio César, como era chamado, encontrava-se com o seu tio-avô, o imperador Tibério, voluntariamente exilado na ilha de Capri.
Nos últimos anos, após a morte do filho, Druso, O Jovem, Tibério mudara-se para a ilha de Capri e desinteressara-se completamente da política, entregando-se a atos de sadomasoquismo, pedofilia e outras perversões sexuais. A governação do império ficou praticamente entregue a Lúcio Élio Sejano, que governou aumentando o seu pecúlio e o dos seus próximos, enquanto foi fazendo desaparecer a maioria dos opositores.
Apesar de ser o herdeiro de Tibério, Calígula sabia estar completamente dependente dos caprichos do soberano; como a sua mãe e os seus irmãos, a qualquer momento poderia sofrer um trágico acidente que lhe tirasse a vida.
Foi neste ambiente que ele foi abordado por uma bela e escultural mulher, a rondar os trinta anos, de longos cabelos vermelhos e olhos verdes, que disse chamar-se Dinah e ser da Judeia. Ele reconheceu-a como uma das muitas meretrizes que frequentavam as orgias de Tibério.
Ela mostrou-lhe uma caixa de madeira trabalhada, aparentando ser muito antiga. Dentro, residiam duas soberbas estatuetas em madeira, esculpidas na perfeição; representavam um demónio masculino e outro feminino. Explicou-lhe que aquele objeto tem passado pelas mãos dos homens mais importantes de Roma e o seu poder pode fazer dele o próximo imperador.
Calígula, suspeitando que estava perante uma armadilha de Tibério, ou de alguém para o fazer cair em desgraça perante ele, disse-lhe que se fosse embora, ou mandaria chicoteá-la. A mulher respondeu-lhe que não temia as ameaças dele, pois o poder das divindades que adorava, era muito superior ao dele ou do governante mais poderoso dos Homens.
Ela explicou-lhe que pertencia a uma irmandade que fizera aquela caixa há muitas gerações, para adorar a Primeira Mulher, Lilith, ali representada com o seu filho e amante Asmodeus. As preces feitas às duas divindades são ouvidas e cumprem-se na maioria das vezes.
Como nunca ouvira falar daqueles deuses, tentou despedi-la novamente, mas a mulher insistiu; “Júlio Cesar recebeu-a e desprezou-a; foi assassinado pouco depois. O grande Augusto herdou-a e utilizou-a para se livrar de Brutus e de Marco António e Cleópatra.”
O futuro imperador olhou-a de alto a baixo e Dinah, percebendo que conseguira a sua atenção, continuou: “Até Tibério a utilizou para afastar os outros herdeiros de Augusto…, mas quer destruí-la e isso irá levá-lo à ruína. A minha missão é arranjar um novo dono, para que isso não aconteça.”
O silêncio de Calígula encorajou-a a prosseguir e ela explicou que aquele objeto era um Altar de Orações e podia pedir-se-lhe o que quiséssemos para vingar os agravos que nos houvessem feito. Para isso bastava escrever num papiro o nome de quem queremos atingir e guardá-lo na caixa. Em pouco tempo, a vida dessa pessoa começará a sofrer os efeitos.
— Se era Tibério que estava de posse disto, por que está contigo agora? — Interrogou ele, com um olhar conhecedor.
— Fui eu quem lha entregou há alguns anos para o ajudar a tornar-se César. — Ela baixou os olhos. — Ele obteve o que queria, mas não cumpriu a sua promessa. Por fim, sabe que está a ser castigado e quer destruir o altar. Eu sabia onde estava. Fui buscá-lo. Serás o novo dono e o novo César.
— Que tenho de fazer? — Perguntou Calígula ao fim de alguma hesitação.
— Para já, aceitar o altar nas tuas mãos — Dinah pousou o objeto nas dele — e prometer que, uma vez César, tudo farás para aumentar o número dos fiéis do culto a Lilith. Darás privilégios e erguerás um santuário a ela. Se o não fizeres, o teu fim estará próximo.
— Aceito. — Confirmou ele gravemente.
— Agora, escreves num pergaminho o nome da pessoa que queres atingir e o que queres que aconteça. — Enquanto falava, ela retomou o altar e abriu-o sobre uma pequena mesa de apoio aos escribas, expondo as duas imagens. — Depois colocas dentro da caixa e fechas novamente, enquanto recitas: “Lilith, mãe de todos os homens, Primeira Mulher, que caminhas pelos caminhos da noite e pelos abismos desconhecidos desde os primeiros dias do mundo. Ofereço a minha vontade, em troca da tua força. Concede-me o que desejo, e serei teu servo fiel, até o último suspiro. Que a tua sabedoria escura ilumine o meu caminho e que a tua sombra envolva os meus inimigos. Pelo pacto que selamos, eu entrego o meu destino a ti. Que assim seja, nas profundezas e além.”
O futuro imperador de Roma ajoelhou ao lado da mesa enquanto repetia a oração que Dinah ensinava. Assim que terminou, pegou num dos rolos de pergaminho que se encontravam na mesa e começou a escrever a maldição pretendida que atingisse o seu tio-avô. Escreveu o nome de Tibério em letras maiúsculas, de forma bem clara e terminou expondo a sua pretensão de ser imperador.
— Eu sou Dinah Lua de Prata, sacerdotisa da Estrela da Manhã e sou tua testemunha. — A mulher ergueu as mãos aos céus. — Escuta-me Lilith, mãe das bruxas, esposa de Samael, mãe e amante de Asmodeus, recebe este teu filho e faz aliança com ele. Amen!
Calígula ergueu-se e pegou cuidadosamente no altar com uma mão, mantendo a carta na outra: — Eu guardarei isto da minha mão. Apenas eu saberei onde se encontra.
— A forma como usares, ou tratares este altar, — avisou a sacerdotisa —, ditará o sucesso ou desastre dos teus planos… ou da tua vida.
Ele suspirou e deitou um último olhar à carta que ditaria o seu destino e o do carrasco da sua família, que ficaria encerrada naquela caixa, à vontade das forças do mal. Fechou as tampas decididamente, com o som do martelo do juiz após proferir a sentença.
O futuro imperador Calígula não sabia, mas, cometera um erro mortal. Assinara o seu nome no texto da maldição que seria executada por um demónio.