Este texto é uma obra de ficção. Embora possa incluir referências a eventos históricos e figuras reais, a história, os diálogos e as interpretações são fruto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, é mera coincidência.
Furioso
e atordoado, José abandonou o átrio do edifício forçando a porta a bater com
estrondo.
Em passo largo caminhou pela rua cheia de transeuntes.
Dentes cerrados, sobrolho franzido, caminhou fazendo as pessoas desviarem-se
frente à decisão que se notava no rosto crispado de olhos escondidos atrás dos
óculos escuros.
Era o fim de mais uma tarde de calor e o cimento do passeio
ainda expelia indolentemente o efeito do sol tornando todo o ar abrasador e
difícil de respirar.
Chegou ao automóvel, abriu a porta, precipitou-se
violentamente para dentro e fechou-a com estrondo. Deu três murros no volante:
— Merda, merda, merda!
Deixou cair a cabeça sobre o volante e quedou-se um pouco
com a respiração entrecortada.
Em seguida, num gesto brusco, deu à ignição e fez o veículo
arrancar com violência sem sequer verificar se havia outro veículo na faixa
para onde se precipitou.
Conduziu agressivamente pelas ruas, desviando-se e fazendo
com que se desviassem durante todo o caminho até entrar no estreito caminho de
terra que atravessava o canavial em frente do elegante café junto à praia.
Chegara à praia. Ao seu mar. Aquele que está sempre pronto a
recebê-lo, a ouvir os seus pensamentos e que lhe fala mansamente, calmamente,
trazendo-lhe a paz que tantas vezes ali vem buscar para acalmar os seus
demónios interiores.
De novo os passos largos até sentar à mesa da esplanada mais
distante do edifício mas mais perto do areal.
Estava longe do guarda-sol mas não fez nenhum movimento para
se tapar do astro rei que ainda dominava o céu sem concorrência.
Recostou a cabeça e fechou os olhos… o som cavo das ondas,
hipnótico, distraiu-lhe os maus pensamentos… por alguns segundos…
— Boa tarde. Posso ter o seu pedido?
Espreitou apenas com um dos olhos sobre as lentes escuras e
mirou o empregado a toda a altura, irritado com a interrupção. Era um jovem
alto de rosto tisnado do sol e ar de gozo. Respondeu-lhe:
— Croft.
— Fresco?
— Céus, não!
O empregado afastou-se com um aceno segundos antes dele
acrescentar mais alto:
— E café!
De novo se recostou de olhos fechados… O corpo nu de Mariana
estava perante ele em todo o seu esplendor… Os seios de mamilos eretos e
desafiadores, ventre liso e suave, quase púbere. Os olhos semicerrados, felinos
e felizes sob efeitos das caricias que a excitavam e dos beijos que a
enlouqueciam…
O som do seu pedido a ser depositado na mesa trouxe-o de
volta à realidade. Soergueu-se, pegou no copo, sorveu-o de um gole e com um
arrepio devolveu-o ao empregado que o observava atónito:
— Outro.
Logo que ele se afastou, começou a tomar o café. Estava
amargo e o seu aroma forte parecia queimar ainda mais a garganta ofendida pelo
brandy.
Poisou os cotovelos na mesa e esfregou os cabelos curtos com
ambas as mãos deixando-se estar naquela posição uns segundos até o ruido de
novo copo a pousar sobre a mesa o despertar.
Tornou a deitar um olhar ameaçador ao empregado que se
perfilava frente a ele, esperando.
Levou a mão ao bolso das calças e atirou uma nota para cima
da mesa de onde foi prontamente recolhida e substituída pelo troco.
Imediatamente desligou a sua atenção dele, sorveu um gole da
nova bebida enquanto se recostava novamente com a cabeça para trás. Os músculos
das costas protestaram sob a forma de dores em diversos pontos… as costas, as pernas,
os braços… tinha corpo um pouco maçado. Já não era um jovem, embora não fosse
um velho. Tinha quase cinquenta anos e não lhe pesavam normalmente, senão em
alturas como aquele fim de tarde.
De novo Mariana na sua mente… não era fácil esquecer aquele corpo
maravilhoso que ainda há poucos minutos estivera nos seus braços, esquecer
aquela boca ávida que o devorava enquanto beijava, aquele ventre que
sofregamente o exigia… e que ele não fora capaz de satisfazer… outra vez.
O som do mar embalava-o e uma lágrima obstinada correu ao
longo da haste dos óculos perdendo-se atrás da orelha. O som do mar e o efeito
que o brandy começava a fazer sobre as cervejas que bebera em casa dela.
Pela segunda vez conseguira convencê-la a ter algo com ele…
conseguira ir até sua casa para fazer aquilo que ambos desejavam… pela segunda
vez a sua ereção lhe faltou quando mais dela precisava.
Uma onda de raiva, vergonha e frustração correu o seu corpo
enquanto recordava a sensação de pânico enquanto sentia a flacidez tomar conta de
si quando a tentou penetrar depois de alguns minutos de excitadas brincadeiras.
A sua respiração tornou-se mais rápida enquanto revivia
aquele pesadelo que lhe sucedera pela segunda vez… que se passava? Que estava a
acontecer com ele? Era a idade? Ainda nessa mesma semana tinha estado com outra
mulher sem dificuldades. Cansado, sim, dorido, com certeza mas não flácido.
Era o seu pior pesadelo a tornar-se realidade pela segunda
vez com ela, agora que achava que iria eliminar a vergonha que sentira da primeira
vez, que a iria fazer sentir feliz e desejar outra e outra vez…
Não podia suportar a humilhação…
Abriu os olhos e acenou o copo vazio ao empregado que
passava perto.
De novo recostado deixou-se envolver pelo som do mar e das
gaivotas que gritavam ofendidas umas com as outras.
De novo o copo a pousar sobre a mesa… sem abrir os olhos,
colocou algumas moedas no tampo e tateou em busca da bebida que pareceu ter
sido empurrada para a sua mão.
Sorveu uns goles… o sol parecia já não aquecer tanto mas o
seu rosto ardia ainda de fúria…
Aquele corpo maravilhoso… sentiu que algo crescia dentro das
suas calças… agora que é tarde.
Mariana era sempre uma querida… riu, brincou, tentou todos
os encantos femininos e todos os truques que em qualquer outra altura (ou pessoa)
teria resultado… sem resultado.
Acabou a bebida e respirou fundo tentando acalmar o coração
que insistia em bater com força.
Ergueu-se de um salto e sentiu-se cambalear.
Olhou em volta… a esplanada estava agora vazia e o sol havia
desaparecido atrás do mar deixando uma luz irreal de um vermelho carregado que
o envolvia como nevoeiro.
Agora como seria? Estava arrumado? Estava… velho? Não!
Com a afirmação mental a martelar no cérebro em ondas de
raiva afastou-se a passos largos da esplanada em direção ao veículo.
Estava um “arrumador” junto do automóvel apenas um vulto
escuro de roupas sujas. Como ele odiava essa espécie.
Passou por ele ignorando-o e abriu a porta preparando-se
para entrar quando a figura falou:
— Dá-me uma moedinha?
— Vai trabalhar, pá. — Rosnou-lhe.
— Vai tu, cabrão! — A resposta foi pronta.
Ato contínuo, José saltou do automóvel com as mãos crispadas
para o pescoço do provocador e apertou-o com toda a força. A cara do homem
fazia um barulho estranho ao bater por várias vezes contra a longarina de
suporte do vidro traseiro onde deixava espirros de cor incerta que escorriam na
chapa.
Largou-o e ele caiu quase sem sentidos a seus pés onde levou
mais dois pontapés no estômago.
Quando se voltou para entrar de novo no veículo, encarou um novo
facínora que, sem uma palavra, o socou no estomago duas vezes com toda a força.
Uma onda de fogo começou a revolver-lhe as entranhas enquanto era empurrado
para o chão e despojado da carteira, que tinha no bolso traseiro das calças,
sem qualquer cerimónia.
Uma lâmina ensanguentada foi limpa na manga do seu casaco.
Enrolado sobre si próprio, olhou com pavor para a sua mão
empapada num líquido escuro que parecia correr da sua barriga.
O recém-chegado ajudou a levantar o companheiro, entraram
ambos no carro que começou a trabalhar e se afastou rapidamente…
José gemeu e deixou as lágrimas correram no rosto enquanto
sentia a vida a escoar-se entre as suas mãos…
Na sua mente começaram a desfilar, uma a uma, aquelas que
com ele viveram bons momentos e partilharam um pouco de felicidade…
Belas mulheres que umas após outra passavam na sua memória e
sorriam-lhe felizes. Ele recordava cada uma delas, cada recôndito do seu corpo,
cada sorriso, cada beijo. O calor da paixão que os movia a felicidade da
partilha do prazer… E Mariana… que o olhava com um rosto triste e cheio de pena
enquanto ele murmurava, já no fim:
— Não sei o que tenho… não é culpa minha…