Este texto é uma obra de ficção. Embora possa incluir referências a eventos históricos e figuras reais, a história, os diálogos e as interpretações são fruto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, é mera coincidência.
Samael e Armaros estavam preocupados com a presença de Jahi. Faltava ter a certeza se ela tentava aliciar Lilian por sua própria iniciativa, ou se cumpria ordens de Belial… que por sua vez as cumpriria do próprio Lúcifer. Estaria ali um plano para descobrir a localização do Jardim do Éden e do projeto do Criador?
Por várias ações, que acabaram por culminar na primeira guerra do Céu, Lúcifer já provara não ser um anjo como os outros e por isso tentou sobrepor-se ao próprio Criador. Só pela força física acabou sendo subjugado. Se ele estivesse envolvido nesta tentativa de levar Lilian para o seu lado, todos corriam perigo; Lúcifer só reconhecia duas posições; ou a favor, ou contra ele.
Os planos de Armaros, Samyaza e dos restantes vigilantes iam apenas no sentido de interromper o projeto do Criador, embora a eventual morte das criaturas humanas chegasse a estar prevista. Não queriam, porém, a destruição do jardim e isso era o que aconteceria se envolvessem Lúcifer e o seu bando de anjos demoníacos; toda a área ficaria transformada num deserto, à semelhança de outras intervencionadas por eles.
Os anjos que continuavam nos céus, apesar de se saberem superiores aos humanos, amavam-nos como à restante Criação, não podiam era aceitar a humilhação de serem-lhes subservientes. A ideia do assassinato como necessidade foi posta de parte, ainda mais porque achavam que o projeto do Criador incluiria um número elevado de humanos e não apenas um casal.
Samael, já reunido com Samyaza e Armaros, pediu-lhes que não perguntassem a localização, pois não conseguiria mentir, mas garantiu que, em conjunto com Lilian, faria abortar o projeto; Adam e Rrava abandonariam o jardim e viveriam como os restantes humanos.
— E se o Senhor descobrir o que estamos a fazer? — Samyaza perguntou com os olhos fixos no chão.
— Vai ficar furioso, claro! — Afirmou Armaros. — Seremos castigados de alguma maneira. Espero que não nos faça como a Lúcifer e aos outros.
— O que eles fizeram foi muito mais grave! — Samael afirmou, hesitante. — Não foi?
— É inútil estar a tentar prever o futuro e saber como o Senhor encarará mais esta traição. — Samyaza encerrou a discussão. — Irmão: Se estás determinado a atingir os nossos objetivos com a ajuda de Lilian, fá-lo quanto antes. De outra forma, diz-nos onde fica e nós o faremos, Azazel e Baraqiel[1] há muito que querem que reveles o segredo… se calhar já estaria tudo resolvido.
— Não o conseguiríamos fazer pela força, irmãos. — Samael deixou cair os braços com desânimo. — Um grupo agressivo provocaria outra guerra; o Senhor invocaria Miguel e os seus guerreiros. Deixem-nos fazer isto de forma mais subtil, deverá ser o próprio Criador a terminar o projeto, para isso teremos de convencer Adam e Rrava a fazer o contrário do que o Criador pretende.
Os dois Vigilantes abraçaram o irmão, encorajando-o. Lilian, que se mantivera em silêncio, a brincar com o filho, olhou conspicuamente para o seu protetor.
O anjo devolveu-lhe o olhar pensativamente antes de concluir: — Temos de começar a trabalhar.
Nos dias que se seguiram, Armaros dedicou-se a tentar ensinar Lilian a controlar a faculdade do teletransporte. As palavras que a deveriam projetar funcionavam sempre de forma caótica e atiravam-na para os locais mais inesperados. O que para os anjos ocorria com natural suavidade, para ela era como uma explosão. Temiam que, o libertar desenfreado de tanta energia angelical no jardim, alertasse os querubins guardiões, ou mesmo o próprio Criador, que devia estar mais vigilante.
Fora assim, de resto, que ela caíra na terra de Nod, quando fugira do jardim, sem que Samael soubesse para onde havia ido. O pobre sistema vocal dos humanos não conseguia reproduzir algumas subtilezas do idioma divino. As palavras, que soavam como música quando proferidas por um anjo, saíam-lhe pouco melodiosas e grosseiras, trazendo resultados diferentes do que se esperava.
Asmodai ria divertido com o desespero dos anjos e batia as palmas quando eles regressavam trazendo a sua mãe de mais um “jogo de escondidas”.
Cansados de “perseguir” a jovem pelos mais diversos locais para onde ela se projetava, optaram por tentar a invisibilidade, o que se revelou uma completa impossibilidade. A mulher não conseguiu de forma nenhuma articular o feitiço e nada acontecia, aquelas palavras estavam vedadas aos humanos.
A solução teria de estar na metamorfose; se ela se transformasse num qualquer animal, passaria facilmente desapercebida e conseguiria entrar no jardim.
Foram vários os animais que tentaram, mas também aqui os resultados não eram nada animadores; uns incompletos e outros nem por isso. Uma vez mais, a incapacidade linguística era determinante nos péssimos resultados que obtinham.
Também aqui a criança se divertia, assustando-se poucas vezes, por mais espantoso dragão com cabeça humana ou terrível tigre com pernas humanas que se formasse ante os seus olhos.
Foi com a serpente que conseguiram o resultado melhor. Lilian transmutou-se numa enorme serpente castanho-dourada, decorada com manchas vermelhas, onde sobressaíam os seus olhos verdes. Não fossem as inesperadas barbatanas laterais em forma de mãos, poderia enganar qualquer um. Ocasionalmente a transformação tremeluzia, como se fosse regredir a qualquer momento, mas teriam de arriscar, não podiam perder mais tempo, urgia partir para a ação.
[1] Mais dois anjos que faziam parte do grupo ao qual o Criador atribuiu a responsabilidade de velar pelos seres humanos. Ficou conhecido como “Os Vigilantes” (Grigori em grego)