sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Sabotagem no Paraíso - Terceira parte - A Investigação

Este texto é uma obra de ficção. Embora possa incluir referências a eventos históricos e figuras reais, a história, os diálogos e as interpretações são fruto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, é mera coincidência.

 



O Criador ficou profundamente magoado com o que aconteceu. Perguntou a Adam se ele sabia com quem Lilith se encontrara e com quem criara aquela insatisfação e descontentamento. O inocente homem desconhecia completamente as respostas àquelas perguntas, ficando inclusivamente surpreendido com a constatação que havia mais gente além do casal primevo e do Pai.

O projeto do Criador estava comprometido, sem a presença da mulher…. Ela era parte essencial na Sua recomendação “Crescei e multiplicai-vos.” Retirou-se deixando o homem/criança entregue a si próprio, sozinho no paraíso.

Como Criador e Omnipotente, não podia deixar as coisas como estavam; invocou três anjos para procurar a fugitiva e a trouxessem a todo o custo. Se ela não obedecesse, estaria sujeita a ser morta ou a uma maldição eterna, assumindo que uma criatura ignorante do mundo e praticamente acabada de nascer, saberia o significado disso.

Durante meses, os emissários percorreram as aldeias miseráveis e as grutas do deserto em busca de Lilith ou de informações do seu paradeiro.

No Céu, Rafael moveu uma subtil investigação para saber quem estaria por trás de um ato tão sedicioso. A comunidade angelical estava dividida; ninguém estava ao corrente do que se passava, mas mesmo assim, muitos respondiam às perguntas com evasivas para confundir o investigador.

Miguel foi pessoalmente à presença de Lúcifer para o questionar em Nome do Criador. O rei dos deuses e demónios da Terra respondeu ao vago interrogatório escarnecendo da autoridade e poder do Criador. Mostrou-se interessado e questionou o mensageiro sobre o projeto sigiloso, sem, no entanto, obter nada de compreensível sobre o que era e o que acontecera. Quando foi confrontado com uma pergunta direta, não podia mentir, pois continuava uma entidade angelical, apesar do seu estatuto de demónio; respondeu que, fosse lá o que tivesse acontecido, se fosse obra dele, não haveria nenhuma dúvida. Não era seu costume esconder a mão após atirar uma pedra.

O projeto conseguira manter-se em segredo durante tanto tempo, principalmente porque poucos sabiam que existia, embora alguns desconfiassem. A partir daquela altura, a dúvida estava dissipada; havia mesmo um novo projeto entre as Mãos do Criador! Interesses punham-se em movimento, uns a favor e outros contra.

Sanvi, Sansavi e Samangelaf, assim se chamavam os perseguidores de Lilith, localizaram-na finalmente numa gruta da remota Terra de Nod, longe de tudo. Os três apresentaram-se na sua forma humana, envergando simples túnicas e sandálias: o objetivo não era assustá-la, mas convencê-la a voltar.

Ela recebeu-os com frieza e desinteresse, sentada numa pedra e amamentando um menino com poucos dias. Não mostrou medo nem respeito pelos emissários, senão quando um deles perguntou quem era o pai da criança.

A mulher recusou-se a responder a todas as perguntas, embora os interrogadores e o próprio Criador não tivessem dúvidas de que um, ou mais anjos, estavam por trás da conspiração que redundara na fuga dela.

Os anjos ficaram nervosos com a determinação da criatura e a capacidade de recusar a responder, mesmo às perguntas diretas, ao contrário das entidades angelicais. Aqueles seres eram realmente muito mais independentes do que eles e, portanto, mais perigosos.

Era hora de passar a uma atitude mais determinada e os três anjos, falando em uníssono, para se tornarem ainda mais solenes e ameaçadores, ordenaram à criatura fugitiva que regressasse ao Seio do Pai. Seria perdoada e tudo voltaria a ser como dantes, teria apenas de revelar quem eram os conspiradores, ou, pelo menos, quem era o pai da criança.

Ela baixou a cabeça e acenou negativamente, abraçando o seu filho.

Um dos anjos insistiu, que, pelo menos tornasse ao Jardim e implorasse o perdão do Pai, tinham ordens para não regressarem sem ela. Estavam autorizados até a tirar-lhe a vida ali mesmo e levar o corpo.

Lilith mostrou-se irredutível e, no momento seguinte, sem sequer se levantar do lugar, gritou-lhes que se fossem embora, pois ela nunca regressaria… a criança começou a chorar.

Vendo que havia necessidade de “grandes remédios”, o trio transformou-se; a sua essência angelical emergiu e eles cresceram até perto de três metros de altura, descomunais asas nasceram-lhes nas costas e todo o corpo resplandecia como metal em brasa. Novamente em uníssono instaram a que Lilith regressasse sob pena de ser amaldiçoada em Nome do Criador.

Ela voltou a gritar-lhes, por entre o choro da menina, que se fossem embora e a deixassem em paz.

As três terríveis vozes anunciaram então que, em virtude da sua desobediência, estava amaldiçoada em Nome de Deus até ao fim dos seus dias. Teria muitos filhos, mas quase nenhum vingaria; as doenças e a violência levariam quase todos. Ela teria uma vida longa, mas a maioria dela, seria passada a chorar a morte das crias. Terminaram com as palavras que selavam a maldição e que ecoaram no teto da gruta e fizeram tremer o chão como trovões.

Em seguida, como se fossem um só, voltaram-se e caminharam para a saída, ignorando as pedras que Lilith lhes arremessava, lavada em lágrimas.

Quando Samael e mais dois anjos se materializaram à frente dela, haviam-se passado muitas horas que chorava de joelhos no chão, ainda abraçada ao filho.

O anjo abraçou-a ternamente e sussurrou-lhe ao ouvido: “Acalma-te, estamos aqui para te ajudar. Não sabia onde estavas e a única forma de o saber, era seguindo aqueles três. Agora que estou aqui a teu lado, não deixarei que te aconteça nada de mal.”

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