Debaixodosceus.pt e Amazon.com: Uma parceria de sucesso
2017 Publicação "Daquele Além Marão"
2020 Foi criada a nova imagem
2017 Apresentação na Casa dos Transmontanos do Porto
2022, Pela primeira vez, publicação em capa dura além de capa mole
2017 Apresentação na Confeitaria Luso-brasileira
2020 Publicação "Entre o Preto e o Branco"
2017 Apresentação no CITICA de Daqueles Além Marão
2016 Apresentação no CITICA de "Lágrimas no Rio"
2016 Publicação de Lágrimas no Rio
2016 Apresentação no ISLA de "Lágrimas no Rio"
2015 "Terras de Xisto" - A primeira publicação
2022 Publicação de "A Caixa do Mal"
2022 Devido ao seu sucesso, "Lágrimas no Rio" tem 2ª edição
2022 Publicação "Na Sombra da Mentira"
2022 Publicação "Depois das Velas se Apagarem"

sábado, 11 de outubro de 2025

Apresentação de Pseudocontos 1 de Jorge Santos


Há encontros que começam com palavras e acabam em amizade.

Foi assim com o Jorge Santos, que conheci pessoalmente no dia em que fundámos os Pentautores, naquele já lendário 14 de janeiro de 2017, em Porto D’Ave, na Póvoa de Lanhoso.
A Suzete Fraga, incansável como sempre, levou-nos nessa pequena odisseia literária que incluiu castelo, santuário e boa mesa.
Foi um dia frio, sim, mas cheio de calor humano — o dia em que percebi que as pessoas por trás das palavras são ainda mais interessantes do que os textos que escrevem.


Volvidos estes anos, tive o privilégio de voltar a partilhar um momento literário com o Jorge, que me convidou — como amigo e cofundador dos Pentautores — para escrever o prefácio e apresentar o seu livro Pseudo-contos 1.

Foi um convite especial, feito com a generosidade e a confiança que sempre caracterizaram a nossa amizade.

Pseudo-contos 1 é, como o próprio título sugere, uma brincadeira séria com a forma e o conteúdo.
São contos que desafiam convenções, cruzam o humor com o drama, o quotidiano com o insólito, o real com o fantástico.
Jorge Santos escreve com liberdade e ironia, mas também com uma ternura escondida entre as entrelinhas.
É o tipo de livro que nos faz rir num parágrafo e pensar profundamente no seguinte — e é precisamente isso que o torna tão humano.


A sessão contou também com a presença e participação da Fabíola Lopes, professora, bibliotecária e autora de obra publicada.

A Fabíola é uma voz literária plural — publicou poesia (As vozes em mim), contos (Sombras sonâmbulas) e livros infantis como O que há na barriga do meu pai? e O que há nos cabelos da minha mãe?.
Colabora ainda na comunidade literária bracarense, nomeadamente na tertúlia A Velha Escrita, da qual o Jorge é um dos fundadores.
A sua intervenção trouxe um olhar sensível e cúmplice sobre o livro, enriquecendo o diálogo entre autores e leitores.


Entre o público, estiveram também Suzete Fraga, autora de Almas Feridas e Almas Rebeldes, cofundadora dos Pentautores e presença constante no nosso percurso literário; Ana Maria Monteiro, membro honorário dos Pentautores e participante ativa da Velha Escrita; e JP Felix da Costa, autor de Casa de Sant’Anna, obra publicada pela Cordel d’Prata, que se juntou a nós nesta celebração da palavra.


A presença de todos tornou o momento ainda mais especial — uma verdadeira reunião de amigos das letras, onde a escrita foi, mais do que tema, o elo de ligação.

Durante a apresentação, não resisti a uma piada: disse que aceitara o convite com algum receio — afinal, o Jorge é bem capaz de me transformar em personagem de um conto… e matar-me logo no segundo parágrafo!
Mas, se fosse ele a escrever a minha morte, seria certamente com elegância, humor e uma boa metáfora — e não há maneira mais bonita de partir numa história.

O Jorge é, como eu, autor independente, e é essa independência que lhe permite escrever com tanta liberdade e autenticidade.
Além de escritor, é também fotógrafo talentoso e fundador da tertúlia A Velha Escrita, onde a palavra e a imagem se cruzam num mesmo olhar curioso e atento.


Pseudo-contos 1 é um livro plural, como o próprio Jorge: nele convivem o riso, a crítica social, a fantasia e a ternura.

Entre os meus preferidos estão “Ode à Lua”, “Romeu”, “A Louca e o Mar” e “Nunca à Terça-feira” — cada um deles uma pequena surpresa, uma janela aberta para o imaginário e para o humano.

Foi uma apresentação especial — feita com amizade, admiração e aquele prazer raro de ver alguém fazer o que mais gosta: contar histórias.






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sábado, 27 de setembro de 2025

Lançamento do livro Sonetos de Lucinda Maria


No passado sábado, dia 27 de setembro de 2025, a Casa da Cultura César Oliveira, em Oliveira do Hospital, acolheu o lançamento do livro Sonetos, da autoria de Lucinda Maria. A sessão, com casa cheia, foi organizada pelas Bibliotecas Municipais de Oliveira do Hospital (BMOH e BLLB) e contou com a presença da vereadora da Cultura, Maria da Graça Silva, que fez a apresentação oficial da obra, e do presidente da Câmara Municipal, José Francisco Rolo.


Esta obra representa mais uma publicação da chancela das Produções Debaixo dos Céus, com o apoio da Autarquia de Oliveira do Hospital, reforçando o compromisso de ambas as instituições com a promoção da literatura e da cultura local.


Lucinda Maria é uma das autoras concelhias mais prolíficas, com uma carreira literária marcada pela paixão pela escrita e pela poesia. Natural de Oliveira do Hospital, iniciou a sua carreira docente em 1972 e, desde então, tem contribuído significativamente para a cultura local, com várias obras publicadas.


O evento contou com a presença de diversos amigos, familiares e admiradores da autora, incluindo escritores como Jorge Santos, de Braga, Suzete Fraga, da Póvoa de Lanhoso, William Bigorna, e eu próprio, representando as Produções Debaixo dos Céus, de Matosinhos. A tarde foi de celebração da poesia, da palavra e da partilha, refletindo o espírito comunitário e o apoio à literatura local.


Durante a apresentação, Lucinda Maria partilhou o seu processo criativo e a inspiração por trás da obra, destacando a importância da poesia na sua vida e no seu percurso literário. A sessão foi marcada por momentos de emoção e reconhecimento, reforçando o papel da autora na promoção da cultura e da literatura em Oliveira do Hospital.

O livro Sonetos é uma coletânea que reflete a sensibilidade e o domínio da autora na arte de compor sonetos, oferecendo ao leitor uma viagem poética rica em emoções e reflexões. A obra está disponível para aquisição através dos serviços da autarquia, diretamente com a autora ou mesmo connosco.


Este lançamento não só celebra a obra de Lucinda Maria, mas também reafirma o papel das Produções Debaixo dos Céus e da Autarquia de Oliveira do Hospital no incentivo à criação literária e à valorização da cultura local.



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segunda-feira, 15 de setembro de 2025

Terras de Xisto - Dez Anos a Contar Histórias


O início da viagem

Cumpriram-se no passado dia 31 de julho deste ano, dez anos desde a publicação do meu primeiro livro, Terras de Xisto e Outras Histórias. Uma década de escrita, de criação de mundos, de descobertas sobre pessoas, lugares e sobre mim mesmo.

Desde que me lembro, as histórias fizeram parte da minha vida. O meu pai tinha uma biblioteca considerável; era um simples tipógrafo, mas possuía uma cultura acima da média e adorava os seus livros, os meus avós, tanto o paterno como o materno, contavam anedotas ou peripécias da sua juventude que eu escutava avidamente. Passei muitas horas da infância mergulhado entre livros, num tempo em que não ainda não existia internet, os computadores eram coisas da NASA e a televisão só transmitia durante algumas horas do dia. Foi aí que aprendi a viajar sem sair do lugar e a sentir as personagens como velhos amigos.

O primeiro livro

Quando, no longínquo ano de 2014, decidi que iria publicar um livro, não tinha nada pronto, somente umas dezenas de páginas de histórias rabiscadas e muitas ideias.


Terras de Xisto e Outras Histórias nasceu assim mesmo, de ideias dispersas, pequenos contos que escrevi para recreação e que depois compilei. O primeiro deles, o meu preferido e que também dá título ao livro, revê o meu amor por Trás-os-Montes, pelo século XIX e pelas pessoas simples, generosas, mas determinadas, que habitam aquela região.

O enredo, trouxe à luz uma narrativa rica e envolvente que tocou os corações de muitos leitores. Este conto não só apresentava personagens inesquecíveis, como Maria e Zé, mas também fazia refletir sobre valores humanos fundamentais como a generosidade, o amor pelo próximo, a coragem e a justiça.


A evolução

Seguiu-se o romance Lágrimas no Rio, o meu livro mais vendido, num cenário semelhante a Terras de Xisto, mas em 1830, nos anos que antecederam a guerra civil entre D. Pedro e D. Miguel.

Depois, regressaram os contos, primeiro com Daqueles Além Marão e depois com Entre o Preto e o Branco. No primeiro explorei novamente personagens transmontanas, o segundo permitiu-me apresentar alguns contos passados nos nossos dias, a questão das escolhas que fazemos e as opções que temos disponíveis eram o tema.

Novo romance com A Caixa do Mal, voltei ao século XIX e aos dias das Guerras Liberais, cruzando elementos de Lágrimas no Rio e criando um ciclo intitulado A Maldição dos Montenegro.

Na Sombra da Mentira, o romance que me levou à cidade onde nasci, com uma narrativa contemporânea marcada pelo mistério e pela investigação pessoal do protagonista e várias retrospetivas aos tempos em que a cidade era uma aldeia.

Finalmente Depois das Velas se Apagarem, contos especiais selecionados pelos temas que tocam o sobrenatural.

 
       

 

 

Momentos marcantes e projetos

Ao longo destes dez anos, participei em dezenas de antologias de contos em diversas editoras, publiquei em diversos sítios da internet e fui um dos fundadores do grupo Pentautores, que lançou várias coletâneas.

 

Mais recentemente, comecei a apoiar outros autores através da minha “pseudoeditora” Produções Debaixo dos Céus, um projeto que talvez venha a ter um papel maior no meu futuro literário. Com ela publiquei trabalhos de Fernando Morgado, Lucinda Maria e Suzete Fraga e espero poder ajudar muitos mais.

Paralelamente, mantenho vários livros em progresso, que espero um dia concluir, e continuo a escrever contos, que partilho com amigos e leitores no meu blogue pessoal. A escrita continua a ser para mim uma viagem permanente, um diálogo com o passado, com a paisagem e com a imaginação.

Todas as histórias são reais… mesmo as imaginadas.
Há dez anos a cruzar memória, paisagem e imaginação.

Obrigado

Obrigado a todos os leitores que me acompanham nesta viagem. Dez anos podem parecer muito, mas para quem escreve, é somente o início de muitas histórias por contar.

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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Sabotagem no Paraíso – Décima e última parte - Deus Irae

Este texto é uma obra de ficção. Embora possa incluir referências a eventos históricos e figuras reais, a história, os diálogos e as interpretações são fruto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, é mera coincidência.

 


Então o Senhor Deus disse à serpente: Porquanto fizeste isto, maldita serás mais que toda a fera, e mais que todos os animais do campo; sobre o teu ventre andarás, e pó comerás todos os dias da tua vida.

E porei inimizade entre ti e a mulher, e entre a tua semente e a sua semente; esta te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar.

Génesis 3 Versículos 14 e 15

 

O inesperado discurso do lobo, que logo desapareceu em corrida, gerou mal-estar no grupo. Os pequenos orbes luminosos, percebendo que se perdia o ambiente propício, começaram a rodopiar com mais intensidade em volta deles.

De novo, humanos e anjo deixaram-se envolver pela volúpia e pelo desejo. Samael acariciou a cabeça de Adam e a de Lilian e aproximou-as para que eles se beijassem. Assim que o fizeram, ele próprio beijou Adam nos lábios. Rrava, sentindo-se posta de parte, infiltrou-se no meio dos três e roubou um beijo ao anjo, com os seus lábios carnudos cheios de sumo de maçã. Lilian envolveu Adam com os braços e as pernas. O belo rosto da mulher parecia alternar entre a pele e escamas verdes, como que se o seu aspeto de humana fosse uma capa para o réptil.

Envolvidos neles próprios, animados pela inspiração divina dos orbes, os dois casais perdiam-se em ósculos molhados, mãos que acariciavam, apertavam ou puxavam. Nenhum deles se apercebeu como o sol, sempre brilhante, começava a esconder-se entre as nuvens que tinham uma tonalidade rosada.

O céu foi-se cobrindo de vermelho e após negro, as nuvens formando um manto espesso e ameaçador. Vários raios atravessaram o éter antes de um portentoso trovão explodir fazendo vibrar o ar e tremer o chão.

Os amantes, surpreendidos, olharam para o centro da clareira onde se formara uma enorme e revolta bola de fogo. Logo atrás dela aguardavam dois querubins empunhando espadas flamejantes, as suas armaduras douradas refletiam o fogo da descomunal orbe.

No centro da bola inflamada manifestou-se o rosto e o corpo do Criador, em fogo vivo, que gritou incompreensíveis palavras iradas, tão alto, que todos tiveram de tapar os ouvidos.

Seguidamente, a própria orbe transformou-se num gigantesco anjo, todo ele composto de violentas chamas.

— Que fazem vocês, infelizes? — Gritou a impressionante aparição, a sua voz causando pequenos sismos.

Samael, estarrecido, arrastou-se para junto das árvores e ergueu-se, resistindo à tentação de fugir apavorado. Lillian tentou ocultar-se na vegetação, enquanto se convertia em serpente. Não conseguiu, porém, concluir a metamorfose e acabou com o tronco de uma mulher coberta de escamas e as pernas convertidas numa cauda verde que se debatia. Os orbes luminosos que os rodeavam caíram imediatamente, ficando a reluzir fracamente no local onde tombaram. Restaram apenas Adam e Rrava, abraçados, para enfrentar a fúria divina.

— Que fazem vocês, criaturas ingratas, depois de tudo o que vos dou? — A voz trovão voltou a interrogar ambos os frágeis humanos que tremiam descontroladamente.

— Perdoa-me, Senhor… — a voz fraca e trémula de Adam fez-se ouvir —… não sabia o que fazia… a mulher que me deste…

— A mulher que EU te dei. — O descomunal anjo ergueu-se em toda a altura, enquanto a sua voz amaciava. — Pois serei eu então o culpado da vossa corrupção…?

— Meu senhor, — tornou Adam, um pouco mais confiante —, ela chamou-me e…

— A serpente contou-nos coisas, senhor… — Rrava prostrou-se aos pés da aparição.

— Pois… a serpente… — o ser de fogo postou os seus olhos sobre Lillian, que estava apavorada a tentar rastejar para a vegetação — … não contente por desprezar tudo o que lhe dei e fiz por ela, atreve-se a corromper aqueles que seguiam as Minhas Palavras. Maldita serás para todo o sempre, que, por tua culpa, amaldiçoadas serão estas infelizes criaturas!

— Perdão, senhor… — também Adam se prostrou ante o Criador.

— Aqui tinham tudo, — a portentosa voz parecia pensativa enquanto enumerava —, bastava estender a mão para comer, não há frio, nem calor, não há perigo, não há dor… a tudo isto renunciastes, em troca de roupas para cobrir a nudez e de maçãs que vos disse não comessem. Não atentaram nas minhas palavras, mas sim nos enganos trazidos por quem não vos quer bem. Não vos chegavam os vossos corpos, tinham de ansiar outros… prazeres diferentes…

— Perdoa-nos pai! — Imploravam em uníssono Adam e Rrava, os rostos no chão, enlameados pelas lágrimas misturadas com a terra.

O anjo de fogo transformou a fúria no seu rosto numa máscara de tristeza e gotas de diamante correram dos seus olhos, evaporando-se ao percorrer o rosto ígneo.

Mais anjos desceram dos céus juntando-se aos querubins, observando o julgamento que se processava. Havia-os de todas as cores, de enorme estatura. Alguns praticamente humanos, uns mascarados pela divindade do seu estatuto, outros ocultos pelo demónio que os habitava, formavam uma silenciosa multidão, tão incrível quanto heterogénea.

— Adam! — A voz trovão retornou enquanto o fantástico ser apontava o dedo indicador ao apavorado humano. — Não mais terás vida fácil. As árvores negar-te-ão os seus frutos com espinhos e ramos, a terra será madrasta e terás de suar para arrancar o sustento. Conhecerás a dor. Os animais deixarão de te reconhecer, uns verão em ti um inimigo enquanto outros verão um alimento. Terás de lutar para salvar a vida e construir abrigo com as tuas próprias mãos. O céu não terá clemência e trará sobre ti chuvas intensas, neves geladas e sol escaldante.

Os orbes luminosos brilhavam fracamente no chão, formando um círculo à volta dos infelizes humanos, quando o Criador voltou o seu olhar feroz para a mulher.

— Tu, Rrava, serás eternamente escrava do teu amor pelo teu homem, trabalharás para ele e por ele serás maltratada. — O dedo acusador apontou-a para que não restassem dúvidas a quem se dirigia. — O homem te subjugará e descarregará em ti as suas frustrações, por te saber mais inteligente que ele e, fará aquilo que mandas… apenas para depois te flagelar novamente. Conhecerás a dor de trazer os filhos ao mundo. Olharás a tua irmã com suspeição e erguerás a mão contra ela por ciúmes e invejas mesquinhas. Não terás amigas, apenas rivais.

O casal humano chorava e gemia enquanto implorava o perdão divino.

— Tu, réptil maldito! — Apontava o dedo agora à serpente/Lillian. — Serás maldita para sempre. Todos os seres vivos te temerão e tentarão tirar-te a vida. A mulher será tua inimiga jurada, morderás o seu calcanhar e ela esmagar-te-á a cabeça. Pobre criatura que já não sabes bem se és humana ou demónio. O teu nome não será mais Lillian, pois nada tens de pureza ou inocência, agora chamar-te-ás Lilith, pois trazes contigo nos ventos da luxúria a escuridão e a maldade.

O ser divino suspirou profundamente ao olhar para o aterrorizado Samael, que optara por manter o seu aspeto frágil de humano, em vez do seu alter-ego divino, com mais estatura e dignidade. Grossas lágrimas corriam-lhe no rosto.

A um gesto do criador, todas as pequenas orbes no chão materializaram-se nas formas humanas de várias dezenas de anjos, uns ajoelhados, outros sentados. Havia uma grande variedade de expressões nos seus rostos, envergonhados, tristes, alguns zangados…

— Perdoa-me Pai! — Samael não aguentou mais e atirou-se ao chão em contrição. Percebera finalmente que estivera a ser usado por Armaros e Samyaza. — Perdoa-me ter abandonado a Tua Luz, ampara-me de novo no Teu Seio. Deixa-me provar o meu arrependimento!

Novas lágrimas de diamante correram no divino rosto antes de fazer um gesto e Samael ascender como um raio, numa coluna de vapor, em direção ao céu.

Lillian tentou seguir a trajetória vertiginosa do seu amante, antes de deitar um olhar ressentido ao Criador. Ela estivera sempre ao lado daquele anjo mal-agradecido e sofrera as consequências dos atos que ambos cometeram, para agora ele ser perdoado e ela duplamente amaldiçoada. Antes que alguém pudesse dizer ou fazer alguma coisa, enunciou as palavras para o teletransporte e evaporou-se com um estouro do ar subitamente vazio.

Contristado, o gigantesco anjo flamejante acenou negativamente a cabeça, antes de se voltar para os restantes membros da conspiração.

— Os meus filhos traidores… — o Criador chorava enquanto fitava um a um os anjos caídos, desorganizados no chão —… conspiradores, falsos… — nenhum deles se atrevia a enfrentar o olhar do pai —… perjuros. Samyaza, — chamou com voz triste, embora o visado não se atrevesse a olhá-lo —, confiei-te os destinos humanos. Armaros, — este levantou os olhos, mas logo os baixou novamente, envergonhado —, prometeste cuidar deles e não se envolver com eles. Criaste monstros, ensinaste-lhes monstruosidades! Que fizestes?! Anátema!!!!

Os anjos que assistiam ao julgamento entoaram, a uma só voz, as bênçãos ao Criador:

“Bendito és Tu, Adonai, que libertas os aprisionados!

Bendito és Tu, Adonai, que levantas os subjugados!

Bendito és Tu, Rei do Universo, o Teu perdão é doce como o mel!

Bendito és Tu, Rei do Universo, o Teu desprezo é amargo como fel!

Bendito és Tu, Adonai, a Tua ira é divina e fatal!

Bendito és Tu, Adonai, o Teu castigo é justo e brutal!”

— Azazel, meu filho, até tu. — Continuou o Criador. — Tomaste esposa entre eles, ensinaste-os a fazer armas!?

— Meu Pai! — Também o referido, apesar de se atrever a contestar, não enfrentava a visão de magnificência e divindade do Criador. — Foste Tu quem subverteu a criação! Por que destruíste as vidas anteriores da Terra? Não poderiam todos coexistir? Quanto às esposas, também Tu tinhas uma, não Te recordas? Ou não queres recordar? — Aqui olhou-O em desafio. — Que fizeste de Asherah[1], a rainha dos céus?

— Pois atreves-te a confrontar-me? — O Criador pareceu crescer ainda mais, à medida que as suas lágrimas se enxugavam. A sua pele dourada parecia ferver. — Comparas Asherah aos reles humanos?!? Ousas invocar o nome que proibi que fosse mencionado[2]?

O portentoso anjo dourado retornou lentamente à sua forma de bola de fogo, onde o terrível rosto se distinguia, retorcendo-se em máscaras de fúria, como que se debatendo com as Suas diversas personalidades.

Os anjos que assistiam ao drama tentaram suavizar a fúria do criador com o coro celestial: — Bendito és Tu, Adonai, que libertas os aprisionados!

Bendito és Tu, Adonai, que levantas os subjugados!

Bendito és Tu, Rei do Universo, o Teu perdão é doce como o mel!

— Malditos sois!!!! — O grito fez tremer o chão, em simultâneo com um possante trovão que atroou os céus. — Caídos do meu coração, agora e para sempre!

Para consternação dos anjos transgressores, as suas asas soltaram-se das costas, e caíram ao chão como fruta madura, onde se dissolveram rapidamente. Os seguidores do Criador choraram o infortúnio dos seus irmãos.

— Vagueareis pela Terra desolada, que conspurcastes com os vossos desmandos. Tereis desprezo dos irmãos dos Céus e chacota dos que se converteram em demónios no passado. — A maldição do Criador recomeçou, cada palavra fazendo vibrar as próprias árvores. — Na vossa miséria acompanhareis os humanos, que desprezais e adorais e com eles compartilharão destinos, até que algo façais que desperte a minha compaixão! Assim se faça conforme a Minha vontade!

— Amém!!!!! — Cantou o coro angelical, também ele ecoando nos céus e na terra.

Quase de imediato começou a levantar-se um turbilhão de poeiras e folhas que rapidamente se transformou num terrível furacão. Humanos e anjos foram arrastados pela fúria do vento e espalhados por toda a terra.

O furor da tempestade de areia dissipara-se e a vegetação luxuriante do Jardim não passava agora de uma vaga memória. Adam e Rrava deram por si, sozinhos, numa encosta arenosa, pontilhada com algumas poucas palmeiras, que descia em direção a um largo rio.

Numa duna mais afastada, um dos anjos despojados das suas asas ergueu-se, curvado pela vergonha. Deitou um olhar desolado ao casal humano e começou a caminhar em sentido contrário, desaparecendo na curva do terreno.

O vento quente atirava areia pelo ar abafado. O sol inclemente, instou-os a procurar a sombra de uma das palmeiras. Os dois frágeis seres estavam pela primeira vez verdadeiramente sozinhos; ausência de Deus era um pesado vazio que não conseguiam explicar.

Com os pés a queimar na areia, chegaram finalmente à sombra protetora. Uma pequena víbora agitou-se à chegada deles e Rrava, instintivamente, chutou-lhe uma porção de areia que a fez fugir. O divórcio entre os humanos e os animais estava consumado.

Sem saber o que fazer, em choque, sentaram-se no chão quente e hostil. Algo na barriga de Rrava movimentou-se e ela colocou a mão sobre a perturbação. Uma palavra acudiu-lhe imediatamente aos lábios: — Caim.

 



[1] Asherah ou Aserá é identificada como rainha consorte do deus sumério Anu e do deus ugarítico El, as mais antigas divindades dos seus respetivos panteões, bem como era consorte de Javé, Deus de Israel e Judá. In Wikipedia

[2] Apesar de ter sido adorada no panteão judaico, enquanto rainha dos céus, durante o período politeísta, a conversão em monoteísta fez com que fosse esquecida e os seus seguidores acusados de idolatraria.

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